Quadrilha

O texto abaixo foi baseado no poema "Quadrilha", do Carlos Drummond de Andrade. O saudoso João Cabral de Melo Neto estabeleceu uma conversa com o poema, cujo título recebeu o nome de "os três mal-amados".

A conversa deu voz aos homens do poema. Agora, enfim, chegou a vez das mulheres se expressarem. Depois de anos, caladas a fio, elas resolveram dar vazão aos sentimentos e decidiram falar. Com vocês, as três personagens femininas!

Teresa:

Raimundo foi um vendaval nas noites da minha vida. Tudo caminhava bem, até conhecê-lo numa sórdida mesa de botequim. Quando me apresentei, - recordo perfeitamente - Raimundo declamou um poema, que era mais ou menos assim, "mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração". E não é que ele se chamava Raimundo mesmo! Fazendo troça com o próprio nome! Vocês acreditam em paixão à primeira vista?

Maria:

Joaquim, o meu amor de perdição, "foi um rio, que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar". Taquicardia. "O corpo transige na confluência do amor".

Lili:

Quanta aberração! Parece que casamento virou o sonho de consumo de todas! Deixo a vida me levar. Jamais TFP! Sento numa mesa de bar para esquecer os males do mundo. Concordo com Groucho Marx, "todo ser humano precisa crer em algo. Creio que vou tomar outra cerveja".

Teresa:

As doses cavalares, daquela paixão avassaladora, entupiram as minhas artérias. Acordava, trabalhava, dormia, enfim, só tinha olhos para Raimundo. Era um frenesi arrebatador. Apaixonei-me por Raimundo e a sua obra poética. "Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários".

Maria:

Joaquim e o seu lero-lero sem fim. Embriaguei-me pelos sussuros ao pé do ouvido. Suscetibilidade. Lirismo desnorteador. Canção piegas que me desatinou. "Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos, das noites que vivi acalentando, pela graça indizível". Tsunami sem água. "Rapte-me, adapte-me, capte-me, it's up to me, coração".

Lili:

Cosmopolitismo. "Não sou de São Paulo, não sou japonês, não sou carioca, não sou português, não sou de Brasília, não sou do Brasil, nenhuma pátria me pariu". "Não tenho paciência pra televisão, eu não sou audiência para a solidão, eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo, e todo mundo me quer bem". Liberdade ainda que tardia.

Teresa:

Como caí nessa verborragia piegas do Raimundo?, "Tereza minha nêga, minha musa, eu gosto muito de você, sou um malandro, enciumado, machucado, que espera por você". Quanta lorota! Viver em boteco dá nisso, advertia minha saudosa Mãe. Hoje relembro com amargura dessa época. Zombavam de mim. Recebi a alcunha de "Amaranta", personagem do livro "Cem anos de solidão". Foi uma aprendizagem ou o livro dos dissabores? Hoje redijo essas tristes notas, intitulada "memorial do convento". A vida não me deu outra opção.

Maria:

Tristeza não tem fim, casar com Joaquim sim. "Desilusão, desilusão, danço eu dança você, na dança da solidão". Lili para mim não passa de nome de cachorro. "Camélia ficou viúva, Joana se apaixonou, Maria tentou a morte, por causa do seu amor".  "E pra matar a tristeza, só mesa de bar, quero tomar todas, vou me embriagar". Embriagar-me-ei no oceano das paixões não correspondidas. Na minha triste dinastia, restou-me o posto de tia.

Lili:

Já dizia o meu velho Pai, "falar até papagaio fala". Sempre abominei a instituição casamento. Deus é testemunha. Eu que levantei a bandeira do Femen no país. Não resisti. Sucumbi. Também pudera: logo Arnaldo Antunes! Foi apelação do J. Pinto Fernandes. "Eu sei que a gente ia ser feliz juntinho, pra todo dia dividir carinho, tenho certeza de que daria certo, eu e você, você e eu por perto". Casei sim. Confesso. Pelo menos subverti. Casei com um sobrenome.

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