Tarde no Tião Piranha

"Enquanto o bar inaugura/Um verde novinho em folha/Argumentar com doçura/Com uma cachaça de rolha/E com o olhar esquecido/No encontro de céu e bar/Bem devagar ir sentindo/A terra toda a rodar".

É bom passar uma tarde no Tião/Ao sol que arde em Gastão.

Sim, meus caros, é bom passar uma tarde no Bar do Tião Piranha.

O botequim citado acima já foi retratado numa crônica do PPP. Para quem não conhece, vale a pena conferir. É um legítimo botequim, localizado em Gastão Vidigal, interior de São Paulo. "Milhas e milhas distante" da Capital.

Passar uma tarde, no Bar do Tião Piranha, significa resgatar a cultura dos contadores de causos. É indescritível!

Fico no meu canto de ossanha, calado e com os ouvidos ouriçados.

Chega no botequim um senhor, aparentemente, com mais de 60 anos. Senta do lado do balcão e pede uma cachaça para degustar. Um cidadão, sentado numa mesa vizinha da minha, me conta uma história sobre o senhor.

Segundo o cidadão, o senhor estava com problemas de saúde e foi ao médico. Chegando ao consultório, dirigiu-se ao médico para a respectiva consulta.

O médico inquiriu-o:

- Pois bem, o que o senhor tem?

O senhor responde na bucha:

- Seu Dotô, eu tenho um Valmetinho véio e apenas 10 vaquinhas magras.

O médico, resignado e com a paciência de um Monge Tibetano, reformula a pergunta:

- Meu amigo, eu quero dizer, o que o senhor está sentindo?

Sem titubear, o senhor solta a resposta:

- Seu dotô, eu estou sentindo que se eu não pagar as minhas dívidas, o Banco ainda vai tomar esse pouquinho que ainda resta.

Logo após, entra outro personagem no botequim. De acordo com os frequentadores, o cidadão, chamado Alfredo, já atuou em centenas de profissões. A Classificação Brasileira de Ocupações é pouco para catalogar as profissões do personagem.

Pedreiro, cortador de cana, tratorista, jardineiro, mecânico, eletricista, inspetor de alunos, pintor, coveiro, encanador, torneiro, motorista, goleiro, amansador de cavalo y otras cositas mas.

Isso mesmo, meu velho! Essa não consta nem na CBO: amansador de cavalos e burros bravos.

Igual na celébre canção do Sérgio Reis:

"Já andei muito nesse mundo/Já fiz de tudo na vida/Pois assim o povo comenta/E muita gente até duvida//Eu já fiz tanto ofício/Evolução e comício/Já dei surra no diabo/Mas só fico convencido/Quando sou reconhecido/Amansador de burro brabo".

Ouço dos frequentadores, que o versátil personagem, em sua metéorica carreira futebolística como goleiro, protagonizou um momento antológico. Na verdade, a cena principal foi com o goleiro titular, só que o desfecho da história refletiu no ilustre Alfredo. O nosso personagem, na época era o reserva da posição.

Num clássico regional, o goleiro titular iniciou o ritual de quicar a bola para dar o famoso balão.

Bateu a bola no chão uma vez. Duas vezes. Três vezes. Na quarta batida, como o gramado era muito irregular, a bola quicou numa pedra e adentrou o próprio gol.

A torcida, enfurecida, invadiu o gramado para agredir o goleiro. Com os ânimos exaltados, os torcedores só foram contidos, depois que a turma do "deixa disso" apontou o banco de reservas e mostrou quem era o goleiro substituto.

Por unanimidade acharam melhor manter o goleiro principal. O nosso polivalente Alfredo-- ainda mais de depois de tomar algumas cachaças -- não transmitia muita segurança como arqueiro.

São tantas histórias, contadas no botequim, que fica difícil relatar todas.

"Um velho calção de banho/O dia pra vadiar/Um bar que não tem tamanho/E um arco-íris no ar".

É bom passar uma tarde no Tião/Ao sol que arde em Gastão.

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