O invisível


Ele acordou com ânimo lânguido, envolto no papelão, que um dia fora invólucro de uma TV, tela plana Philips.

Latas de cerveja Skol e garrafas vazias de Caninha 51, espalhadas ao lado, compunham a paisagem etílica.

Vestia uma calça Levis desbotada, toda suja de detritos, que por sinal, estava sem botão.

Suprindo o jaz botão, imperava agora um elástico de uma calça de moletom Adidas, encontrada abandonada numa valeta.

Camisa Polo, Lacoste, carcomida pelo tempo e um tênis Nike surrado completavam o traje maltrapilho. A indumentária, fruto de doações do Supermercado Pão de Açúcar, era resultante de um projeto desenvolvido com moradores de rua.

Carecia de um cigarro. Procurou desesperadamente na calçada e acabou encontrando uma guimba de Marlboro, filtro amarelo. Pediu fogo para um transeunte, que mesmo contrariado, cedeu o fósforo Fiat Lux.

Acendeu o cigarro com as mãos trêmulas e caminhou para o primeiro bar aberto. Rogou por um conhaque Dreher, para aplacar a abstinência.

"Vai trabalhar vagabundo" - vociferou o cliente, com um copo de uísque Red Label nas mãos.

Consternado, sentou no meio-fio da calçada, em frente a uma faixa da operadora Tim e observou, curioso, o outdoor com a propaganda do Sabonete Dove.

Refletiu sobre as vicissitudes da vida; "la dura vita".

Um frade fransciscano o fitava de longe e, solidário, pagou o desjejum: um expresso do Ponto e um pão com mortadela Ceratti.

Depois da refeição, palitando um Gina entre os dentes, tentou cruzar a faixa de pedestre e não viu um automóvel avançar em alta velocidade.

Na quarta-feira chuvosa foi manchete dos jornais, estampada em letras garrafais:
"Um Audi S5 Cabriolet, Prata, conversível, motor TFSI, V6 3.0, com seis cilindros turbocomprimidos, Placa MFV 6513, São Paulo, atropelou e matou ontem um morador de rua, não identificado, no cruzamento das avenidas Ipiranga com a São João".

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Comentários

  1. Pois é meu caro Gustavo, por mais que tentemos ser os politicamente corretos da comuna, estamos cercados pelo capitalismo que é embalado e principalmente rotulado pela nossa própria luxúria consumista. Abraços meu querido!!!

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  2. Muito bom!
    Abracos,

    Elizete

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  3. É meu caro amigo, é interessante como o ser humano vai se tornando cada vez mais anônimo diante de tantas "marcas" do capitalismo. Parabéns pela crônica, grande sacada.

    Bjs!!!!

    Meiri

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