Triste fim de Policarpo

Polícia prende homem acusado de usar biscoito de polvilho para assaltar loja em Belo Horizonte

Escrevi essa crônica baseada na notícia acima, veiculada no site da UOL, no dia 29/08/12.
Bebi na fonte do saudoso mestre Moacyr Scliar. O escritor tinha um espaço na Folha de São Paulo, onde criava crônicas inspiradas em notas publicadas na imprensa.



Policarpo efetivamente não suportava mais as agruras do cotidiano. Exaurido pelo emprego, cujas condições eram análogas ao trabalho escravo, procurava terminantemente uma oportunidade melhor na vida.

Todos os dias quando saía do trabalho, religiosamente, parava no Bar do seu José para degustar uma dose de 51. Só a maldita cachaça, nessas horas, para atenuar os males de uma existência de penúria e penumbra.

Os parcos recursos o impeliram, desde criança, aos malabarismos da vida. Jogado na informalidade, sempre viveu de bicos. Era um sobrevivente do sistema.

Em casa, acumulavam-se contas. Etelvina, sua esposa, bradava aos quatro cantos que em Conceição do Mato Dentro, interior de Minas Gerais, não tinha vida de rainha, no entanto, jamais tinha passado fome.

Policarpo estava no limite. Exaustão. Definitivamente teria que buscar uma solução. Acordou na madrugada febril. Desvarios.

Como na canção Memórias Conjugais, do Paulinho da Viola:
"Resolvi
Vou tomar uma providência
Pra começar, lá no bar do seu José
Para ver
Se exorcizo este domingo - céu nublado
E esta mala
Que não larga do meu pé".


Dito e feito. Acordou e foi ao Bar do seu José. Tomou a habitual 51 e resoluto saiu à rua. Na saída do bar encontrou Dona Mercedes, conterrânea de sua esposa, que lhe entregou uma vasilha com biscoitos de polvilho. Sabia das dificuldades do casal.

Policarpo agradeceu e guardou os biscoitos na mochila. Com uma bravura indômita, "atravessou a rua com o seu passo bêbado", entrou numa circular e dirigiu-se ao Bairro de Santa Mônica.

Era tudo ou nada. Sua sorte estava lançada. Com arma em punho, ou melhor, biscoito em punho, avistou uma loja de roupas e anunciou o assalto.

Definitivamente sua vida não seria mais a mesma.

Comentários

  1. O negócio é "tomar uma providência" quando necessário, atitude!

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    1. Bete, mas "pra começar, lá no bar do seu José"...hehe...

      Beijo!!

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  2. Gustavo,
    é impressionante, acho que estou virando sua fã; sua escritura é fluida e as histórias são de cotidiano simples, isso parece dar leveza para o peso que elas carregam.

    Fabi

    Fabiana Legnaro ;

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  3. Essa é uma crônica maravilhosamente bem escrita por um cabra que conhece os "caminho" tortuosos dos buteco da vida! abraço.

    Ps: temos que tomá umas logo!

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    1. Saudações meu caro Douglas!
      Muito obrigado velhão!

      É só marcar! Temos que ir no Amigos do MAM.
      Forte abraço!

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