Crônica de um porre anunciado



Crônica de um porre anunciado: discutindo Foucault

Ribeirão Preto, cidade do interior paulista, é referência em termos de botecos no país. A cidade participa do Festival "Comida di Buteco" e abriga em seu território a famosa choperia Pinguim, uma das mais badaladas do país.

Tive a árdua tarefa de visitar Ribeirão Preto a serviço do PPP. Digamos que seria uma espécie de trabalho de campo. Felipe Melo, um dos membros do BIP, elaborou uma cartilha dos bares; um “caminho suave” no circuito ribeirão-pretano dos botequins a ser percorrido.

A sigla BIP, mencionada acima, designa (busca insaciável do prazer) e é a mantenedora do blog PPP. O nome foi espelhado num caderno homônimo do antigo jornal Pasquim.

O idealizador do roteiro, o filósofo Felipe Melo e a sua esposa, a cativante Adriana, assumiram, com afinco, a nobre missão de me ciceronear no périplo por Ribeirão Preto. Quando desembarquei na cidade, Felipe me aguardava, batucando numa caixa de fósforos uma KANTiga da velha-guarda unespiana.

Para darmos início aos trabalhos, começamos nosso roteiro etílico-gastronômico-literário pelo Mercado Novo. O Mercado não estava no projeto inicialmente concebido, portanto, a parada foi extremamente rápida, somente para aquecer os tamborins.

Logo na seqüência estacionamos no Empório Brasília. Parada obrigatória para quem gosta de futebol e conheceu o talentoso jogador-filósofo Sócrates.

Sócrates era figurinha carimbada no Empório Brasília. Existe até uma mesa em homenagem ao Magrão. Era o cantinho do genial Sócrates, craque de bola e um dos jogadores mais politizados da história do futebol brasileiro. Participante ativo do Movimento “Diretas Já” e um dos idealizadores da antológica “Democracia Corintiana”.

O proprietário foi muito cortês com o BIP e nos contou inúmeras histórias protagonizadas pelo Magrão. Nessa altura do campeonato já contávamos com a participação do ilustre tradutor Ronaldo. Este, no período universitário, traduziu um dos episódios mais emblemáticos da antinormalização acadêmica. Um manifesto contra a ditadura da ABNT. Em um colossal trabalho acadêmico, de aproximadamente 15 linhas, o iconoclasta Ronaldo concluiu o texto com os seguintes dizeres: “Referência bibliográfica: Leviatã”. Concisão maior não há. O moço é avarento nas palavras; nem o famigerado FMI exigiria tamanha austeridade assim.

Depois de conhecermos momentos importantes da vida do Doutor Sócrates, partimos para outra Estação. Bar da Dona Celina é o nome da Estação na qual desembarcamos. O boteco foi o segundo colocado no Festival "Comida di Buteco". O prato vice-campeão foi representado pelo delicioso kibe com queijo. São bolinhos de carne frita, temperados com maionese e recheados com mussarela.

Quando chegamos, sentamos às margens plácidas do bar. Estrategicamente na calçada e do lado da entrada. Segundo o escritor Xico Sá, fonte eterna do blog, a entrada é lugar fundamental. Ele dá a dica: "procures sentar sempre nas primeiras mesas do botequim, se possível na calçada, pois todos os dias, alguma mulher irada sai de casa, revoltada com o consorte, e diz assim: "Hoje vou dar para o primeiro que encontrar". Se bem colocado na área, este primeiro serás tu, bravo boêmio".

Concordo parcialmente com o escriba, pois tenho uma ressalva. Sentar próximo à entrada tem lá os seus perigos também. É por lá que normalmente habita um tipo que também se encaixa na classificação dos “homens perigosos”. É um tipo que circula pelos bares com assídua freqüência. É o “homem-cachorro de madame!” Quando está em casa é um pitbull sanguinário, quando solto na rua é um autêntico chihuahua da Paris Hilton. O “homem cachorro de madame” é uma gazela saltitante no universo poético dos botequins. Paga cerveja para todos, incorpora o saudoso“beijoqueiro” e sai distribuindo beijos no bar, no entanto, quando chega em casa, se transforma. Fica valente! Vira um Billy the Kid nos quatro cantos da casa. Bate na mulher, filho, cachorro, gato e galinha. É um verdadeiro perigo!

Depois de deliciarmos com o boteco, pegamos estrada novamente. On the road! Não podíamos ficar muito tempo em cada bar; o nosso lema era “o dever nos chama”. A tradicional saideira foi no Bar do Chorinho, reduto de grandes sambistas de Ribeirão Preto. O boteco ganhou em 2012, nada mais, nada menos, que o famoso "Comida di Buteco". A iguaria premiada foi o rissolis de moela. A demanda do petisco é altíssima e infelizmente não pude provar o manjar dos deuses.

O séqüito tinha aumentado significativamente, a grande maioria formada por ex-unespianos, oriundos dos Câmpus de Franca e de Marília. Travamos um embate ideológico na mesa, um Come-Fogo das elucubrações filosóficas de botequins.

Quando o espírito dionisíaco baixou na mesa e atingiu a mais nobre elevação etílica, partimos para a prorrogação na casa do amigo Marcão.

Em pouco tempo na casa, eu sucumbi e entreguei os pontos. Era alta madrugada e fui buscar refúgio no leito mais próximo. Quando acordei já era alvorada e lembrei do poeta Cartola: “alvorada lá no morro, que beleza, ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente dissabor, o sol colorindo é tão lindo, é tão lindo, e a natureza sorrindo, tingindo, tingindo”.

Quando saí do quarto, cambaleando, deparei-me com uma cena surreal. Dois amigos, com fervor olímpico, continuavam na maratona, chamando Jesus de Genésio e discutindo Foucault. Dei meia-volta e com um passo tímido voltei ao leito. Como no belo livro do genial cartunista Jaguar, “confesso que bebi” e não estava preparado para a etílica querela no amanhecer do dia. Socorro! Chama o Foucault!

Comentários

  1. É Gustavo, longa maratona, cerca de 70 ampolas por dia e o BIP vai depurando seus conhecimentos...que venha a segunda crônica, sem pressa, no estilo daquela galinha. E olha que não cumprimos metade do roteiro. A pesquisa continua!!! Abraços, Felipe e Adriana.

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  2. Excelente, árdua tarefa cumprida e comprida! Salve, salve BIPs de plantão1

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  3. Com sua busca sagaz, para nós brindar com suas aventuras, onde o conhecimento depende de uma (árdua tarefa); ao longo dessas trajetórias revendo muitos entes queridos do outrora brilhante e saudosa doravante inesquecível, compactuas conosco não apenas o legado boêmio mais suas ricas aventura.
    Desde já obrigado por nos contemplar e nos dar a oportunidade de um dia em passeio pelas rotas boemias podermos desfrutar onde já sabemos onde é o melhor caminho...
    Att : Reginaldo

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Que dificuldade ter material pra escrever esta crônica! E fico imaginando o duelo da madrugada de dois bêbados cheios de razão sobre Foucault. Bora, vai fazer outro roteiro gastronômico Gustavo que estamos esperando o comentário.

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  6. A tal KANTiga unespiana seria ?!?
    O tempo passa, mas sempre quando vejo algumas fotos e/ou leio alguns nomes, sinto-me como uma crianca com medo da Cuca! Gustavo Barreto, Felipe Melo e Ronaldo Stefani... meu Deus, cuida que nao vem coisa boa por aih!!!
    Saudades, Barretao!!!
    RODRIGO BARBOSA-PALMAS/TO

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