Ao Mestre, com carinho


Dia 15 de outubro, dia do Professor. Uma data extremamente significativa para mim. Carregada de simbologia, que permeia minha memória, seja ela cognitiva ou afetiva.

Profissão da minha digníssima Mãe, tias e de um número infindável de amigos e amigas.

Não irei nominar professores importantes na minha formação, pois corro o risco de ser injusto, caso esqueça algum nome. Vale o mesmo para os meus amigos. No entanto, não posso deixar de mencionar a minha Mãe e uma Tia, em especial.

Peço perdão pelo meu complexo edipiano, mas me vejo na impossibilidade de não declarar gratidão eterna à minha progenitora. Ela que me deu as primeiras mamadeiras do conhecimento, trocou as incipientes fraldas da honestidade. Ela que também me alimentou com enormes colheradas de leitura. Sem contar, é óbvio, das rudimentares palmadas para coibir a minha precoce intolerância.

Ensinou-me os primeiros passos da autonomia. Apontou-me que a geografia do viver não se restringe às delimitações espaciais da nossa casa. Que, na gramática da diversidade, o que prevalece é o léxico do respeito. Ressaltou, com ênfase, que, nas operações matemáticas do cotidiano, o ato da divisão deve ser humanamente prioritário.

Foi a primeira professora institucionalizada também. Ensinou-me o bê-á-bá em casa e na escola. Instruiu-me que mesmo vivendo com a mais-valia do sistema educacional, a sua profissão vale a pena, e é condição sine qua non para o crescimento de uma nação.

Sou particularmente privilegiado, pois me deparei, nas minhas andanças mundão afora, com outros grandes mestres. Mestres das escolas oficiais e do grande currículo, chamado vida. O legado da sabedoria, felizmente, não é mercantilizado e absorvemos nos bastidores da nossa rica passagem terrestre.

Outra que merece lembrança é uma Tia. Professora do ensino fundamental e a maior inventora de neologismos que conheço.

Até hoje não tenho um ínfimo registro de alguém que use o neologismo "tiantonho". Já pesquisei em inúmeros dicionários e não obtive resposta a essa minha inquietante dúvida existencial. Será que é uma simbiose de tio com Antonio? Ou seria um Tio, de nome Antonio, que ela teve e eu não conheci?

Nem se voltarmos à Era Paleozóica, encontraremos os primórdios do neologismo em questão. A etimologia da palavra nunca foi resgatada.

É designado para caracterizar uma pessoa aquém do seu tempo. Uma pessoa que não absorve uma ideia. Exemplo: poxa vida, como esse cara é  "tiantonho"!

Outro vocábulo, que na verdade não é exatamente um neologismo, é a palavra "coisa". Para a minha Tia, "coisa" é um termo ambivalente. Depende de cada circunstância. É utilizado como verbo, substantivo, nome próprio etc. A regra é assim: quando a memória fraqueja, emprega-se "o coisa" ou "a coisa".

Como diria Jack, o estripador, vamos por partes. Se ela machuca o joelho: "nossa, que dor! Dei uma coisada no joelho".

Pode ser empregado também como nome próprio. "Será que o Seu Coisa não virá trazer os pães que encomendei?".

Quando um cão se aproxima, ouve-se o habitual: "passa coisinha". Mil e uma utilidades, o nosso bombril das acepções.

Tem espaço também o indefectível "tele". Empregado amplamente em casos nos quais a pessoa está pouco propensa a prosear. Monossilábica.

Mirem-se no exemplo: Gustavo como você está "tele" hoje!

O inesgotável "tele" tem as suas ramificações. Vejam: Gustavo que teleza hoje, hein sobrinho!

Parabéns, Tia, pelo seu dia e pelas brilhantes invenções linguísticas. Com certeza, serão eternizadas em estudos de filologia.

Essa crônica "tiantonha" é dedicada a todos professores que tive o privilégio de conhecer. Todos, em algum dado momento, contribuíram na minha formação.

Obrigado por me ensinarem o significado da palavra "utopia" e acreditarem no caráter revolucionário da educação!

Bravo,  ilustres mestres!

Comentários

  1. Respostas
    1. Muito obrigado João Batista!

      Abraço!!

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    2. Parabéns pelo texto e obrigado pela lembrança dos amigos professores. Abraço, Gustavo!!!

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  2. Poxa vida!!!! Nessa você arregaçou, hiem, Barreto?!?!?! Parabéns!!!

    Abraço
    Mascote

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  3. Puxa, Gustavo Correa Barreto, acabei de ler seu texto. Tentei deixar um comentário no PPP mas acho que não ficou registrado. Que bela homenagem àquelas pessoas que, com coragem, despojamento e discrição, nos introduziram na realidade deste (belo e duro) mundo!! Um abraço, meu amigo!!!

    Vera Polese

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    1. Gustavo. Li seu texto. Muito bom. Sua Tia Me fez lembrar a minha professora da 1@série (nós, crianças, a chamavamos de tia). Ela me ensinou a ler e a escrever. Gostaria de reencontra_ la para agradecer. Não consegui ainda... Por outro lado, enquanto posso, agradecerei aos mestres da forma como consigo: ao senhor (que presidia a biblioteca a qual eu frequentava e que, inclusive, me presenteou com livros excepcionais) e à prof. Vera que me iniciou no no mundo das ciências humanas. Aquele abraço!!

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    2. Gustavo. Li seu texto. Muito bom. Sua Tia Me fez lembrar a minha professora da 1@série (nós, crianças, a chamavamos de tia). Ela me ensinou a ler e a escrever. Gostaria de reencontra_ la para agradecer. Não consegui ainda... Por outro lado, enquanto posso, agradecerei aos mestres da forma como consigo: ao senhor (que presidia a biblioteca a qual eu frequentava e que, inclusive, me presenteou com livros excepcionais) e à prof. Vera que me iniciou no no mundo das ciências humanas. Aquele abraço!!

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  4. BOM TEXTO, PARECE UMA COISA MEMSO!!!
    REVERSON

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  5. Leitura boa pra relaxar neste sabadão... até.

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  6. Ótimo texto, Gustavo!
    Parabéns e obrigada!

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  7. Pelo que entendi, tiantonho é uma coisa negativa. Mas se fosse algo como, "alguém que resiste ao seu tempo e continua sonhando apesar dele" eu ia achar que a origem era um encontro da sua tia com o Tonhão.
    Muito bom texto, valeu.

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  8. Valeu Gustavo, adorei a referência da sua tia como homenagem aos professores. Nesse mundo onde as relações Foucaultianas de conhecimento e poder ganham cada vez mais evidência, a referência de um conhecimento alegre, lúdico, convergente e socializante me parece muito mais interessante como estilo de vida para todos nós. Sendo assim: Viva sua tia, vivam os neologismos, vivam os novos comportamentos e vivam as dúvidas que se contrastam com as certezas emergentes nessa cultura belicosa que vivemos! Valeu Mestre!

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  9. show de bola!! Parabéns aos nossos companheiros de luta na educação!!
    Abs.
    Jr

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  10. Eta Gustavo! Esse tiantonho dessa coisa de biblioteca...
    Só você mesmo para ter essas palavras tão significativas, mesmo para pessoas que não pertencem a sua família!
    Não posso deixar de parabenizar também você; é você mesmo!
    No seu posto, lá atrás daquele balcão incrivelmente branco e seco, sua presença, palavras, conselhos, parcerias são verdadeiras atitudes de MESTRE, de EDUCADOR, de AMIGO.
    Obrigada pela lembrança e meus parabéns também a você!

    Priscila Veith Figueiredo

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  11. Gustavo..texto maravilhoso !!! Estou amando seguir o "PPP" e os incríveis textos que tenho lido aqui... Parabéns..
    Marta Dantas

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  12. Gustavo... Tio Antonio era o tio de uma prima dela e era considerado "brega". Assim, sempre que ela vê algo considerado "brega" emprega o termo "Tiantonho", a forma como essa prima chamava o saudoso tio Antonio. A nossa querida tia tb usa o neologismo "poda" qd quer ultrapassar alguém na rodovia e "cepa" quando se refere a algo muito grande como "nossa, ela tá uma cepa de uma moçona"... eita coisa...
    bjs

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  13. Alto grau de identificação com o uso "poli/multi/supravalente" do termo "coisa" rs!
    Belíssima e merecida homenagem!

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  14. Gustavo! Ressalto que tive o privilégio de ser aluna da sua mãe por dois anos e que tenho por ela uma admiração extrema!! Também destaco a importância de contar com o modelo dela pra minha profissão... Qto ao seu texto, agora, parabéns!!

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  15. Ótima crônica Gustavo...nessa prosaica vida de aprendizes, esquecemos que também somos professores, mas "mestres" mesmos, são nossos pais e aqueles que carregam o valor dessa amada profissão no giz da vida. Abraços amigão!!

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  16. Teu texto parece-me que foi escrito hoje!!!! E olha que já faz tempo!!!!! Parabéns!!!! Não me canso de ler!!!! Sempre atual!!!

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  17. Parabéns ilustre escritor e amigo com quem tive a honra de crescer, suas sábias palavras nos enche de vontade ler e ler pois palavras convidativas e texto eloquente trás de volta escritores, que puxam pra história o leitor tornando leitura saborosa e faz querer repeteco quero mais. Meus parabéns e Feliz dia dos Professores sua mã e e tia e a vc meu caro que muitas palavras vc trazia da facu e eu degustava e enriquecia meus conhecimentos. Valeu att. Nenê da dona Rosa

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