Soneto de fidelidade


Amplamente veiculado na mídia, o tema da fidelidade partidária suscitou-me uma reflexão; a fidelidade a determinados botequins.

Tem bares que são a fidedigna extensão do nosso lar. Existe uma reciprocidade, você elege o bar e este o acolhe.

Sabe aquele bar que você tem cadeira cativa? Aparece na porta e o garçom já traz a marca preferida, o tipo de copo habitual, a iguaria comumente pedida.

A presença suprime a palavra.

Tem bares que imortalizam a cadeira ou a mesa de ilustres frequentadores assíduos. E quando utilizo a palavra ilustre, não é para me referir a celebridades ou coisa parecida. São pessoas eminentes no cotidiano peculiar do botequim.

Paulo Mendes Campos, um dos melhores cronistas brasileiros, escreveu numa crônica que, "o mundo está sempre a ganhar da gente, de um a zero, dois a zero... Bebe-se na esperança de igualar o marcador".

Asseguro que, além do ato de beber, também é de suma importância, saber onde beber. Reside aí o segredo da fidelidade ao botequim reverenciado. Quando encontramos o nosso, não só igualamos, como ultrapassamos o marcador existencial.

Tenho um amigo que era umbilicalmente ligado a um bar. Sacralizava o botequim. Batia cartão.

Sua cantilena era assim, "às pessoas que eu detesto, diga sempre que eu não presto, que meu lar é o botequim". No final emendava o nome do bar, na bela canção do mestre Noel Rosa. 

Depois de um ano de casado, a esposa, cansada da prosopopéia etílica e do seu soneto de fidelidade ao botequim, fez um ultimato.

Ou ela ou o botequim.

A história desse amigo me faz lembrar uma crônica do Carlos Heitor Cony.

"Um caminhoneiro mandou gravar no pára-choque de seu veículo o refrão da marchinha de um Carnaval passado: ""Eu quero é rosetar". Num domingo, entrou numa cidadezinha à hora em que autoridades e povo saíam da missa das 10 horas.

Foi um escândalo. Uma comissão de moradores, formada pelo vigário, o delegado, o boticário, o poeta local e o filósofo também local, procurou o caminhoneiro e pediu que ele apagasse aquela obscenidade. A cidade era pequena, porém virtuosa, não podia ser agredida por apelo a tamanha pouca-vergonha.

O caminhoneiro podia argumentar que a frase no pára-choque não era indecente, muito menos uma convocação ao pecado. Para evitar discussão ou briga, prometeu que mandaria apagar aquele pomo de discórdia.

Semanas depois, o mesmo caminhão entrou ovante pela cidade. O povo saía da missa e leu no mesmo pára-choque: ""Continuo querendo"."

Enfim, todo esse rodeio, para chegar novamente no meu amigo.

Ele preferiu a esposa e abandonou o bar, o seu segundo lar. Só que no seu âmago, "continua querendo", voltar ao botequim predileto.

E vocês, meus caros, qual o botequim eleito dos deuses?

Qual boteco você declamaria o seu soneto de fidelidade?

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Comentários

  1. Nossa passam tantos pela cabeça, vou colocar por cidade pra não ser injusta:
    São Paulo - Empanadas (parte de baixo, a mais antiga do bar com frequentadores mais "maduros")
    Jundiaí - Pub Melody (esse não preciso fazer o pedido)
    Campinas - City Bar
    Marília - adivinha!

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  2. Cara eu fico com o quiosque do Cozido, um lugar onde eu sei que vou chegar e ser bem recebido. Com conversas e sembre com um torresmo e uma cerva bem gelada.

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  3. Então Gustavo Correa Barreto, tenho uma fidelidade de quase 22 anos ao meu Gula's & Gole's Bar... Minha vida e total dedicação... Muito brigado pelo carinho que sempre nos dedicou e a materia aqui que tanto fez feliz meus pais e a mim. Grande Abraço!

    Helinho Penha

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  4. Em Marília minha cadeira cativa fica no templo da sabedoria oriental - KANASHIRO! Aqui em SJCampos, estou fixado no bar do ROBSON (Vila Maria) onde toda segunda rola um choro e outros estilos com meu parceiro e irmão do coração Jorge Alegre.

    André Psiconáutico

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  5. Eita porra, duca o post do soneto.

    abrazo
    xico

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  6. O “Soneto de Fidelidade” só pode ser para o Dinho´s Bar!
    Lá eu “bato o ponto”, marco encontro com amigos que não o conhecem ainda, faço reuniões, combino viagens...
    Lá é onde posso ”rir meu riso e derramar meu pranto“.
    Comemoro, choro, bebo, janto; discuto política, futebol, religião e a cor da camisa do Dinho.

    Para o Rapsódias, antigo bar de boemia, vai o “Soneto do Maior Amor”.
    Eu havia acabado de me mudar para São José dos Campos quando fechou o Buena Vista. Muito ainda se falava do Maré Alta (que não cheguei a conhecer). Então, como um oásis na minha solidão, o Aldo (que eu também não conhecia) ousou abrir um aconchegante bar na Zona Norte. Eu aportei no seu segundo dia de funcionamento, e dali por diante, atravessava a cidade todos os dias para ouvir o melhor da MPB e das músicas autorais da região. Lá conheci a maioria dos que hoje são meus amigos. Muitos músicos! Alguns amores...

    Ainda há o “Pimenta Bar”, ao qual poderia dedicar o “Soneto da Quarta-feira de Cinzas”...
    Lá fui de cliente a gerente. Lavei banheiro, trabalhei de sol a sol – de quando o sol se punha até que raiasse novamente.
    Era o último a fechar. Reunia, nos seus poucos metros quadrados, todos os resistentes caçadores da última saideira. “Hei de lembrar-te sempre com ternura’.

    E há tantos outros mais quantos forem os Sonetos de Vinicius...

    Como o “Bar do Dodô”, na Vila Maria, onde vez ou outra encontrava meus conterrâneos guaratinguetaenses;

    o SAVEMA, onde é impossível declamar o “Soneto do Só”, pois sempre há amigos por perto;

    o saudoso Bar do Fórum ou do Claudinho;

    o Bar do Géo ou Território;

    a longínqua Casa de Queijo Água Soca (com a domingueira viola caipira do Ulpiano);

    ahhhh! E o Bar do Robson, na Vila Maria, que reúne a nata da boemia joseense com seus chorinhos às segundas-feiras.



    Viche!... é capaz até de ter mais boteco que eu venero do que sonetos... rs

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  7. Cinzeiro, o velho maço de LM, aquelas rodelas de salame e a gelada de sempre, o velho tamborete da esquerda, foi assim durante anos, só ouvia a voz do velho Joe na hora de tirar o Luiz e o chicão que queriam dormir no Bar, passou o tempo o Joe ainda é o mesmo, desde dos anos 70, foda é discutir a situação da Síria domingo de manhã com o Grafite, novo membro do Lanches Unidos.
    Kanasha, Calamdra, Querubim... Salve! Denortiz

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  8. Entre um gole e outro fui ao reservado daquele bar ,quando voltei a mesa ,algo estava fora do lugar,as palavras haviam saido para na rua brincar.. se essa rua fosse minha,eu mandava ladrilhar com o mosaico de frases que se esconde nas mesinhas daquele bar,longe da censura do balcão ,amante dos amantes que em noite de lua não tem onde sentar, a espera de que nas pedrinhas de brilhante,surja o rosto de quem distante atravessando o copo a me embriagar....

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  9. Companheiro Gustavo, Blz? Primeiramente parabéns pelo texto e por mais uma feliz abordagem. Sem dúvidas eu declararia meu soneto ao Bar do Rato em GV, também conhecido como Basílica de São Jorge.

    Um forte abraço meu caro.

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  10. Belo tema abordado Gustavo! Na verdade nos sempre temos algum lugar , eu tenho vários que me convém pois conforme necessidade eu vou em bares diferentes. Sou fiel a todos.rs na verdade eles também são fieis a mim, sabe. As vezes fico pensando que passa dia, sai noite , com dinheiro , sem dinheiro. Ele, o bar da fidelidade, o bar fiel sempre ta lá rã te receber e vc sempre sede as vontades do seu coração e dele para ir de qualquer jeito, ir depois do trabalho, ir sozinha...ah abordamos agora que diga se de passagem as mulheres tbem querem rosetar,...rsrs... Enfim , vamos ara a minha lista: barartificial Marília, companhia Marília, liga do shop botucatu, athol Sp

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  11. .....continuando, pau Brasil são Paulo. Esses são os clássicos!

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  12. Fidelidade é sempre algo complicado, por isso os bares também mudam. Como não lembrar do Raul e do Kanasha, na boa Marília dos unespianos?! Bar do Nei em Rio Claro, Pastel com cerveja no Jó, em Araçatuba. Em São Paulo, bebo, como, me divirto, pinduro conta, resolvo situações, escrevo e até já dormi no Ecla. Agora, em Ribeirão Preto, duas são as preferências: o simpático Paixão, com sua galinha lenta e deliciosa; Gulas & Goles, com a maestria desembaraçada de Helinho. Gde abç, Felipe

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