Poema da necessidade


Crônica baseada no "Poema da necessidade", do grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
 
- Ora, é preciso casar João! - Já soçobrei as esperanças com o desgraçado. - exprimiu Olavo.

- Paciência é o que eu necessito, caso contrário, enlouquecerei. - Chego em caso fatigado. - Além do João, que me traz sérias dores de cabeça, é  preciso suportar o Antonio e todas as suas exigências, cada vez mais descabidas no trabalho.

- Estou no limiar da minha sanidade mental. - Óbvio Marlene que preciso amar, mas também é preciso odiar Melquíades. - Taí um sujeito folgazão!

- Quem ele acha que é? -- sem dar tempo para Marlene sequer suspirar, Olavo emendou:
- Ninguém é insubstituível no mundo, é preciso substituir nós todos.

- O Brasil está em perigo! É preciso salvar o país. -- advertiu Olavo.

- A descrença é geral, salva as devidas exceções. É preciso crer em Deus! 

Na repartição pública em que trabalhava, Olavo era conhecido por todos, como o "Senhor É Preciso".

Era o seu mantra, a sua filosofia de vida, o seu discurso solene. Praticamente uma religião.

Agora o discurso se invertia momentaneamente. Era Marlene quem adotava o discurso padrão de Olavo.

Na sala-de-estar, Marlene desabava para João.

- Só suporto o rabugento do seu pai, por que não tenho outra opção, filho. É preciso pagar as dívidas. Que criatura infeliz esse desalmado! Além de tudo, é preciso comprar um rádio, e desconectar de toda essa realidade que não me permite viver em paz na minha própria casa.

Os moradores, daquela humilde residência, não viviam um momento feliz. João também tinha lá as suas queixas.

- É preciso esquecer fulana. Só eu, somente eu, sei o que tenho sofrido por fulana. O mais racional nessa hora é não mencionar o nome da ingrata. Oras, vocês ainda, ficam alimentando esse discurso, de que preciso casar.

Olavo, no exato momento, em que mãe e filho concebiam o terrível parto das dores, declamava no botequim a sua verborragia etílica.

- É preciso estudar volupaque. Só assim viveria plenamente em paz. Evidentemente, também é preciso estar sempre bebêdo. Sóbrio não resistiria às agruras da vida.

Todos estranharam Olavo naquele dia. Conheciam minuciosamente a sua filosofia de vida, sua excentricidade. Mas naquele dia, no temível dia, ele extrapolava, discursando em cima de uma cadeira. Uma simples cadeira de botequim.

- É preciso ler Baudelaire, bando de iletrados. Sair da superfície. Viajar pelo âmago da pessoa.

Onde chegaria Olavo e toda a sua explosão de impropérios?

- É preciso colher as flores, de que rezam velhos autores. Quiçá as flores do mal de Baudelaire.

Baudelaire era pronunciado, aliás, tartamudeado. Sim. Era essa a definição mais plausível para o momento. O nome do francês saía aos solavancos.

- Sim, sim, sim Vasconcelos. Não acredito no isolamento social. Não farei como Thoreau, é preciso viver com os homens.

- Ainda nutro esperanças. Não aniquilarei-os, é preciso não assassiná-los.

A tempestade era sentida duplamente. Ora através da avalanche de água que invadia as calçadas, ora na volúpia desenfreada das palavras regurgitadas por Olavo.

Abruptamente o dilúvio irrompeu no botequim. Com o aluvião, Olavo vaticinava o seu derradeiro e fúnebre discurso.

- É preciso ter mãos pálidas e anunciar o FIM DO MUNDO.
 
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