Da série: "não te conheço de algum lugar?"


Fim do expediente naquele dia. Fatigado pela carga horária extenuante, eu, apenas "um rapaz, latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior", buscando somente uma cerveja gelada depois do trabalho.

Eram os primeiros passos, digamos, tímidos da minha vida profissional. Na lida, em busca do leite nosso de cada dia.

"Longe de casa há mais de uma semana, milhas e milhas distante" da minha família. Vivia sob a égide da solidão, conversando até com os postes.

Chego num botequim e logo na entrada, um grupo de pessoas sinaliza uma aproximação. Ouço de uma delas a sentença inicial:

- Não te conheço de um algum lugar?

Foi a deixa para eu puxar a cadeira, diga-se de passagem, sem ser chamado e sentar na mesa.

A pessoa dizia uma letra e eu completava com o alfabeto inteiro. Estava sedento por palavras.

Discorri sobre os mais nobres assuntos. Proferi palestra sobre o Iluminismo. Falei dos embates do marxismo com o anarquismo na Internacional. Conjecturei sobre os livros que não escrevi.

Estava endiabrado. Dei piruetas pelo botequim.

"Uma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo! Superpiruetas, ultrapiruetas, bravo, bravo!".

Fiz também análises, desde o advento da roda à chegada do homem na Lua.

Depois paguei a conta e "tranquilo e infalível como Bruce Lee" saí do botequim.

Quando saio à rua, ouço um diálogo de dois personagens, e um deles me aponta:
- Olha o malandrão escapando!

"Obviamente não é comigo", pensei.

Ledo engano dessa desafortunada criatura, que vos redige essas mal traçadas linhas.

Ambos os indivíduos portando pedaços de paus e com a expressão, "olho por olho, dente por dente", estampada nos rostos.

Pernas para que te quero! E tome corrida!

É fácil falar em Usain Bolt, Carl Lewis, Joaquim Cruz e outros velocistas. Isso é mamão com açúcar, meus presunçosos amigos.

Quero ver encarar uma corrida, depois de uma suculenta costela com mandioca e dez cervejas na cachola.

Pausa para tomar um fôlego e tome corrida.

Dez minutos depois, a alma boa de Setsuan, em um heroico ato de comiseração, passa de carro e me dá uma carona.

Sem distinguir alhos de bugalhos, com os pulmões às ventas, invado o automóvel.

O indulgente anônimo me deixa em casa e eu, ofegante, mal consigo agradecê-lo.

"Minha estrada, meu caminho, me responda de repente/Se eu aqui não vou sozinho, quem vai lá na minha frente?/Tanta gente, tão ligeira, que eu até perdi a conta/Mas lhe afirmo, violeiro, fora a dor que a dor não conta/Fora a morte quando encontra, vai na frente um povo inteiro/Sou uma estrada procurando só levar o povo pra cidade só/Se meu destino é ter um rumo só, choro em meu pranto é pau, é pedra, é pó".

Eu e os meus embasbacados botões, perplexos, buscamos uma resposta para tudo isso.

Sem respostas para as nossas inquietas perguntas, chegamos ao indefectível consenso, que o mais plausível é não cair na tentação do "não te conheço de algum lugar?".

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Comentários

  1. O que a pessoa não faz por uma cerveja gelada em final de expediente heim.... É a sua cara isso em meu caro Gustavo....Bjs!!!!


    Meiri DAlva

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  2. Ei Itapeva que tem histórias para contar!!!
    Bj

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  3. Boa, muito boa. Faz lembrar uma certa história, num certo bar do Sereia, em Marília. Mano Osnilson que o diga!
    Abraço

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  4. Itapeva!!! Estradas dificeis, Bons Tempos!

    João Andrei

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  5. KKKKKKKKKKK

    Lembro-me muito bem dessa história... KKKKKKKKKKKK

    Abraço
    Mascote
    Canaã dos Carajás/PA

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