Não existe amor em SP



"Não existe amor em SP/os bares estão cheios de almas tão vazias/a ganância vibra, a vaidade excita/devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel/aqui ninguém vai pro céu".

Não existe amor em SP. Não existe mais amor na dura poesia concreta de tuas esquinas; no picadinho dos restaurantes insípidos da Praça Júlio Prestes; no dó menor do bandolim, executado no chorinho vespertino da Benedito Calixto; no ar blasé das prostitutas do Jardim da Luz; o amor foi dissolvido num churrasco grego e devorado por uma legião de famélicos, em frente ao Largo do Paissandu; nos devaneios etílicos dos poetas, ao entardecer na Mercearia São Pedro; foi suprimido no achincalhar dos taxistas do Terminal Tietê; evaporou nos adstritos da Rua Helvétia; foi subtraído pelos punguistas da Rua Direita; diluído na adiposidade do pernil do Estadão; o amor se esvaiu no claustrofóbico vagão da Linha 3 do Metrô; aniquilou-se sob os acordes do rock'n roll, no Fofinho Rock Bar; foi pisoteado no horário de rush, na esquina da Augusta com a Paulista; o amor foi trocado em ouro, por um homem-sanduíche, numa gélida tarde na Barão de Itapetininga; o amor foi negado, julgado, e depois à revelia, foi sentenciado em versículos, por renitentes pastores, em templos evangélicos na Avenida São João; dissipou no canto gregoriano, sob o olhar sacro do monge beneditino, em plena missa dominical, no Mosteiro de São Bento; o amor foi mesclado, num chopp batizado do Bar Léo; deslizou em cálido sábado, na Ladeira Porto Geral; foi prostituído nos cabarés da Rua Augusta; no elixir bêbado nas escadarias da Catedral da Sé; foi conduzido às alturas, por um ascensorista, no Edifício Itália; deglutido por uma trupe de atores do Teatro Oficina; ignorado pelo olhar jocoso do engravatado da Oscar Freire; prostrado por cinéfilos em frente ao CineSesc; pigarreado por um transeunte no Largo da Batata; diagramado em fanzines e distribuídos no burburinho boêmio da Vila Madalena; logrado através de especulações imobiliárias na Vila Nova Conceição; esquecido num marca páginas de um vetusto livro do Sebo do Messias; foi encenado por sátiros canibais na Praça Roosevelt; afogado no fétido Tamanduateí; o amor ofegante foi auscultado às margens plácidas do Ipiranga; lido em tortuosas mãos por uma quiromante no Viaduto do Chá; sedado no Hospital das Clínicas; mas apesar dos dissabores, sobrevive, caro Criolo, nas mesas dos bares; no lirismo dos poetas; na verve dos cronistas; no miocárdio dos romancistas; na cantilena dos trovadores.

Curtam no Facebook a nossa Fan Page:

Comentários

  1. Maravilha Gustavo! Tem que mostrar pro Criolo essa!

    ResponderExcluir
  2. Então ainda existe!
    Ótimo texto! Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado, querida! Feliz com a sua presença por aqui.

      Beijo

      Excluir
  3. Adorei a crônica Gustavo...muito bacana ...abraços...

    ResponderExcluir
  4. Achei um dos melhores até aqui no PPP...
    Erich

    ResponderExcluir
  5. Essa arrebentou. Mas te conto uma: o amor se encontrou entre um samba da vai vai, uma malte comunista no bixiga e a cama sorrateira da paulista, numa noite imprópria e despropositada,início de semana,em fuga do trabalho. Ah,ainda existe amor em SP!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grande Felipe! Devia ter te consultado antes. O seu comentário ficou muito bom! Vale uma adaptação depois.

      Abraço

      Excluir
  6. Salve,Salve,Gustavo. Muito boa!! São Paulo e sua geografia urbana como palco da tragédia sobre a falência do amor. Ainda bem que sobrevive no final. Parabéns.

    ResponderExcluir
  7. Gustavo, meu rei, vc se esqueceu de dizer que o amor é verde e cruza a Rua Turiassu, com a Avenida Francisco Matarazzo e a Avenida Antártica! Eu sei que vc gosta...
    Abr
    Mallu

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O cruzamento citado é a prova cabal da convergência do amor.

      Beijo!

      Excluir
  8. Uau, que fôlego!
    Que bom que ainda existe o Amor!
    Beijinhos.
    Luara.

    ResponderExcluir
  9. Arrazou voce escreve dificil mais to gostando de ler.
    Paulo

    ResponderExcluir
  10. O Choro na Benedito Calixto! O seu texto me teletransportou pra todos esses lugares, a relação da topofilia e outros amores, com uma poesia intrincada e densidade estética, vou ler de novo!
    Alexandre.

    ResponderExcluir
  11. NOssaaaa me transportou tbm...to em Santos de repente fui pra tds esses lugares ...Grande Gustavo

    ResponderExcluir
  12. Criolo é sempre uma inspração.
    Eu me apaixonei por ele com essa música.

    Minhas Impressões

    ResponderExcluir
  13. Parabéns, Gustavo!!! Texto inspiradíssimo, como o atual futebol do seu Palmeiras. Abraço!!!

    ResponderExcluir
  14. Parabéns, Gustavo!!! Texto inspiradíssimo, como o atual futebol do seu Palmeiras. Abraço!!!

    ResponderExcluir
  15. Beleza estética, lírica e poética. Tendo como pano de fundo, lugares que tão bem exprimem a pluralidade paulistana. Belíssima crônica. Parabéns Gustavo.

    ResponderExcluir

Postar um comentário