Assombrações do Brioso Velho


O espectro das assombrações sempre esteve presente no imaginário popular. É um fenômeno cultural universal, e amiúde, é tema recorrente nas rodas de conversa.

A aura do mistério sopra constantemente Gastão Vidigal, ou melhor, Brioso, nome pregresso. Desperta ainda uma névoa transcendental sobre a urbe e tinha fascínio, digamos anedótico, nos anos 50.

A população na época era essencialmente rural. A cidade era nada mais, nada menos, que um pequeno povoado.

O meu avô João, morador do Ribeirão do Mato Grosso, gleba situada à sete quilômetros do município, visitava a cidade, normalmente aos sábados, para adquirir produtos nos armazéns de secos e molhados.

Sob o galope rasante do Tordilho, um congênere do Sancho Pancha, o meu avô, acompanhado do compadre Bentinho, esse, às rédeas do corcel negro Bainho -- caros literatos, Bentinho era apenas um compadrenão confundamos com o personagem do Dom Casmurro -- foram até Brioso (a nossa Macondo), num certo dia, em busca de uns fortes capados.

Depois de adquirirem os capados (quadrúpede mamífero, responsável pelo provimento do atual óleo de cozinha; na época, resultante da banha, oriunda do indefeso artiodáctilo), meu avô voltou sozinho para as campinas, pois o compadre Bentinho ficou na companhia de umas belas canjebrinas.

Cabe um parêntese aqui para explicar o porvir: existia uma lenda, na época, que os fazendeiros que alteravam a demarcação das terras, com o intuito voraz de ampliar as próprias propriedades, não iam para o purgatório, para o acerto de contas. Depois de mortos, ficavam, justamente no marco limítrofe das suas ambições, assombrando e clamando indulgência aos seus pecados. Carregavam eternamente, sob a corcunda fúnebre, a pedra roubada. A pedra era a metáfora da divisão das terras.

Pois bem, meus caros, voltamos ao nosso querido Bentinho. O próprio, ao voltar do Brioso, com o seu fiel escudeiro Bainho, deparou na bela noite com o fantasma de um fazendeiro.

- Onde eu coloco essa pedra? - ecoou a voz taciturna e lúgubre.

- Coloca onde você achou, "fidumaputa". Vai encher a pestana de outro, alma lazarenta.

No dia seguinte, Bentinho descreveu o ocorrido, com um toque de realismo fantástico. O meu avô, abstêmio, atribui todo incidente à danada da cachaça.

Calçando as botas da descrença, João, meu avô, à noite do mesmo dia, embrenhou-se na mata.  

Mascando o fumo de corda da valentia, João, munido de uma carabina sentou-se no jirau, à espera de uns catetos -- caros matemáticos, não confundamos os catetos do meu avô com os homônimos do triângulo retângulo; os catetos do meu avô são ferozes porcos selvagens -- para serem abatidos.

Iluminado pela "lua soberana, nobre porcelana sobre a seda azul", o meu avô ouviu uma voz gutural e ácida, vinda de um soprano sepulcral.

- Então é você que está abatendo os catetos da mata?

Pernas para que te quero!

Nunca, eu disse, nunca mais na história desse povoado, cujo nome era Brioso, o meu avô ousou duvidar da palavra do compadre Bentinho.

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Comentários

  1. Essas histórias de assombrações são sempre geniais !
    Boa história,Gustavo.
    Abraço

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    Respostas
    1. Sempre rendem boas estórias, Edelson. Abraço, meu velho!

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  2. Bela contação de história, me remota a alguns episódios da verdadeira Macondo..."O homem tende a voltar para o lugar onde está enterrado os seus antepassados..." G.G.M. em "Cem anos de solidão". bj

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  3. Queria ver teu avô ouvindo a voz gutural!!!
    Beijinhos.
    Mallu.

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