Uma noite na comuna


Com o meu sapatênis surrado, parcelado em três parcelas, subo as escadarias do Espaço Cultural Latino Americano, ou, simplesmente Ecla, para os mais combativos.

O cartaz, fixado na entrada, indicava o tema da noite: "Ato em prol da greve e paralisação nacional agrária e popular na Colômbia".

Sento e observo o ato. Logo em seguida tiro a minha traseira pequeno-burguesa da cadeira e peço uma cerveja.

Sem essa de esperar sentado a bebida; atitude tipicamente característica de um burguês, que detém os meios de produção. Proletário como eu, dirijo-me ao balcão, na cadência dialética dos meus passos.

Sinto o estalar da cerveja, e antes de agradecer, protesto contra a mais-valia embutida no preço da cerveja.

A militante colombiana, depois de projetar um documentário no data show, sobre os atos na Colômbia, não hesita em pedir uma Original.

Alheia aos meus protestos, a militante, por sinal, trajada como uma patricinha de Pinheiros, saca uma nota de cinquenta reais e sai na mais absoluta tranquilidade.

Dou um belo chute bolchevique na tampinha da cerveja e sento novamente para assistir o documentário.

Em instantes aparece um velho amigo trotskista, com um calhamaço de livros na mão, bem maior que "O capital", de Marx.

Após várias cervejas, o celular do meu amigo, em mil tons geniais, desperta com um brado retumbante.

Em decibéis desmesurados, o amigo berra para o interlocutor: "vamos armar sim aquela costela. Demorô".

Indefeso, nem conclui a frase, e recebe uma saraivada de onomatopeias da platéia: "shiiiiiiiiiiiiiiiiii".

Depois do documentário, a militante deu início aos debates e várias pessoas pediram a palavra.

O mais exaltado, um gago, defensor ardoroso das causas colombianas, tartamudeou palavras de ordem.

Palavras que ressoaram no cachorro Basset de uma frequentadora, que desdenhando da concepção materialista da história, latia ferozmente para o gago.

Cabe um adendo aqui. O cachorro estava equipado com uma indumentária canina, nada condizente para um cão com consciência de classe.


A noite aproxima-se do fim e nós, eu e o meu amigo, discorremos sobre as infecundas "Teses de Domecq".

Na porta de saída, um errante navegante insiste em discutir Hegel, e percebendo minha recusa, me pede um passe de ônibus.

Saio trôpego, sem dinheiro no bolso, e me despeço com um: "A história da sociedade até os nossos dias é a história da luta de passes".

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Comentários

  1. Como disse outro, "cachorro? Na China cachorro é petisco!" kkk

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    1. Boa, Felipe! Tinha esquecido essa passagem...hehe...

      Abraço!

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  2. Repetindo uma velha música do Led Zeppelin: The songs remains the same... Os tempos passam e o proletariado só sobe mais um degrau, na escala da soberba... Abraços Gustavo!!!

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  3. ENXERGAR OS TOMBOS DEPOIS CACHAÇA QUE BEBE, É SEMPRE UMA DIALÉTICA MATERIALISTA.
    ABRAÇO GUSTAVÃO!
    REVERSON

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