Gastão Vidigal: Parte 1


         O Velho andou pela cidade toda. Parava em cada jardim, retirava uma flor e a cheirava. Observava os pássaros, com o interesse e a acuidade de um ornitólogo.
Ficou desconfiado com os cumprimentos. Todos o saudavam com a intimidade de muitos carnavais. Sentiu-se como um autóctone que abandona a aldeia e volta tempos depois.
Acompanhou, como um torcedor entusiasmado, uma partida de futebol na rua. Jogada por meninos: um time de camisas, o outro, desnudo, somente com o calção. A trave do gol era representada por chinelos.
Observou uma casa repleta de líquens no telhado. Associou o fato a um indicativo de qualidade de vida. O vento matinal sibilava forte em seu ouvido.
As calçadas das casas chamaram sua atenção. Desprovidas de padronização. Suscitaram interesse, pois subvertiam a homogeneização imposta pelo Estado. Cada uma diferente. Uma vermelha, outra preta. Algumas revestidas de pedras, outras de argamassa. Pedras portuguesas ou concreto. Umas com sucatas armazenadas em sacos de plástico.
Sofás velhos, latas de óleo diesel, cortadas ao meio, com alças de cabo de aço, protegidas por barras de borracha e vasos com plantas, adaptados em latões de vinte litros de tinta, adornavam as calçadas exóticas. A que mais lhe chamou atenção foi uma calçada concretada, com a marca de um chinelo pisado no cimento e com inscrições no leito, “Antenor passou por aqui: vinte e cinco de novembro de mil, novecentos e noventa e nove”.
O insólito, porém, é que as calçadas não serviam como passeios: os pedestres caminhavam pelas ruas. Carros, caminhões transportando gado, tratores, bicicletas e transeuntes compartilhavam o mesmo espaço, numa aparente e desconhecida ordem.
Sentiu sede. O calor abrasador o incomodava. Estava ensopado de suor. A camisa branca de linho coberta de fuligem de queimadas, advindas da cana-de-açúcar.
Entrou no primeiro armazém comercial que encontrou. Pediu água. O comerciante virou as costas e foi até uma geladeira vermelha. Voltou com uma garrafa de alumínio e o serviu com um copo grande, originalmente uma embalagem de requeijão.
O Velho sentiu-se em casa. Tinha pedido a água pensando-a como um produto a ser comprado. O comerciante tentou uma aproximação.
O senhor é fiscal da usina?
Como assim?
Trabalha na usina de álcool?
Não. Sou um vagabundo mesmo, somente flanando pelas ruas. E por falar nisso, onde tem um rebuceteio por aqui?
O comerciante se fez de desentendido e reclamou da invasão dos mosquitinhos pólvoras e do calor intenso, abanando ligeiramente as mãos, como uma hélice de um ventilador.

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Comentários

  1. É Gustavo, já estou curiosa para a continuação da estória. Vai demorar? Bjs

    Meiri

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    1. Olá Meiri!

      Semana que vem a saga continua, minha querida.

      Beijo

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  2. Cara, vc fica melhor a cada conto! Obrigado por partilhar conosco!
    Grande abraço!
    Erich

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    1. Muito obrigado, Erich!

      Lisonjeado com o comentário, nego véio!

      Forte abraço!!

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  3. Acho que esse forasteiro veio do Pará, no encalso de um certo rapaz que bulinou a flor amazônica da Alpínia, kkkkkk

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