A difícil arte de se desvencilhar de um cão abandonado


Venerados defensores dos animais, sem execuções sumárias, per favore.

Não é nada disso, Luisa Mell. Abaixo a presunção, cara apresentadora!

Mas venhamos e convenhamos, quem nunca foi seguido por um cão abandonado que atire o primeiro osso nesse pobre cronista mambembe.

Pois bem, caro zoólogo que me lê: uma ingênua ida à padaria e na volta sente no encalço um desprezado mamífero doméstico da família dos canídeos.

Você se derretendo pelo bicho, feito manteiga de garrafa e num átimo lembra-se de um pequeno detalhe: como abrigará o pobre cão na exígua quitinete?

"Não há como", reitero silenciosamente ao meu lado altruísta.

O meu lado bom insiste, mas eu nego, para deleite do lado mal.

Ignoro o embate maniqueísta e sigo nesta longa estrada vida.

Ensaio uma leve trote para desvencilhar do cão e a pobre criatura interpreta como uma brincadeira. Chega balançar o rabo de alegria.

Arfando como um atleta senil, fruto dos quilos a mais, ainda sou ofendido por um transeunte.

"Por isso que a rua está desse jeito! Traz o cachorro e não recolhe a merda. Olha só o que ele está fazendo!".

Esboço um contra-ataque, argumentando que não é meu o cachorro e ouço uma réplica mais agressiva:

"Além do mais o fidumaégua não assume a sua própria criação".

Penso em dar um basta na situação, mas nisso já são mais de três pessoas que estão revoltadas. Uma comentando com a outra. A história se transfigura. Mais deturpada que capa da Veja.

O cão se assumindo como propriedade minha, começa ganir para o grupo.

Eu, "mais sem graça que a top-model magrela na passarela", desisto da contenda e me afasto.

Tem razão, poeta, "caminhante, são teus passos, o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. Ao andar se faz caminho, e ao voltar a vista atrás se vê a senda que nunca se voltará a pisar. Caminhante, não há caminho, mas sulcos de escuma ao mar".

Caminho deixando lastros, rastros, uma turba de indignados, um incógnito saco de pão e o pobre cão abandonado.

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Comentários

  1. Gustavo, a cada dia me delicio mais com o que escreves. Uma crônica saborosa e cheia de graça. Prato incrível para uma professora de Letras. Abçs

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