Gastão Vidigal: Parte 4

Eu sei. Só de oiá a sua mão, eu percebi. Se ocê tivesse zóio pelado, eu ia ficá com medo. Ia falá que ocê ia me rapelá. Eu sei de longe quem é matreiro.

Buk riu, inadvertidamente, e perguntou para Bento:

Desculpe-me a indiscrição, mas quantos anos o senhor tem?

Si arreie di pirguntá nada não. Tenho noventa e quatro anos.

E toma uma cachacinha ainda?

Só um tiquinho por dia.

Poxa vida, está muitíssimo bem.

Eu sou da linhage do ébano. Aquela madeira africana: preta e rija. Não invergo fácil, doutô.

Que saúde. Maravilha!

Bento Preto tirou do bolso da calça um saquinho plástico, com fumo de corda e palha de milho. Puxou da bainha o canivete e preparou o cigarro. Nisso, três crianças entraram assustadas no bar. Estavam brincando no terreno baldio, ao lado do boteco, e depararam-se com uma cobra.

Pediram ajuda para João Porva. O taberneiro, consternado, pediu ajuda para Bento Preto.

Bento Preto foi até à bicicleta e pegou um saco, que estava dentro de um embornal feito de retalhos. Caminhou, serenamente, para o terreno. Parou no meio do percurso e se benzeu. Fez o sinal da cruz e avançou em direção à cobra.

Aproximou-se do réptil e fez sinais com as mãos, balbuciando palavras indecifráveis. A jararaca de dois metros de comprimento ergueu-se e Bento Preto a pegou com as mãos. Guardou-a no saco e amarrou as pontas com um barbante branco. Levou o saco até o bar, assustando os frequentadores, que correram em retirada.

Bento Preto fez a solicitação que não matassem a cobra.

Leva ela e sorta na rebarba, perto do corguinho lá de baixo – advertiu Bento.

Velho Buk, atônito, assistia a cena, perplexo. Bento Preto lavou as mãos e voltou ao local de origem. Não tocaram no assunto.

O viço do ipê, atrelado à figura mística de Bento Preto, trouxe à tona, novamente, a questão da religiosidade. O Velho lembrou-se do terço e da cerimônia de congraçamento com a terra.

O carisma de Bento ouriçou Buk.