Epifania 244: Parte 12


Capítulo Três
Epifania Áurea

"— É ali. — Nas faces visíveis do cubo estava escrito: Weinclub. Ao fim da passagem lateral, por onde entramos, demos com a porta fechada. Batemos em vão, e já íamos embora, desapontados, quando notei no corredor uma escada circular para o porão, cavada na pedra. No primeiro patamar, ouvimos música. Tomei um ar superior de vidente e desci o segundo lance. Empurrada a grossa porta de carvalho (o carvalho é mera suposição), recebi uma salutar lufada de música, de tabaco, de gente, de aromas etílicos. Foi como se eu reconquistasse o paraíso. O Weinclub dançava e bebia animadamente, repleto de jovens universitários e lindas universitárias de bochechas coradas e riso amorável. Não havia uma única mesa vaga, mas três segundos depois eu estava a beber um magnífico branco do Reno, e a explicar para os estudantes, que nos acolheram com simpatia, o princípio universal que rege a vida noturna. E eles, os mais talentosos matemáticos do mundo, futuros inventores de balísticos e outros inteligentíssimos engenhos mortíferos, acataram o meu pacífico princípio como um axioma luminoso. Foi um dos bares mais consoladores de minha temporada sobre a Terra".

Por que bebemos tanto assim?
Paulo Mendes Campos


Epifania Áurea

Esquina da Ipiranga com a Consolação. Ali era o endereço do Bar Redondo, antigo reduto de artistas e intelectuais de esquerda. Inverno paulistano. Numa noite fria de julho, embalados por uma sinfonia etílica, um grupo de amigos resolveu montar uma dissidência do Redondo.
Como exímios gestores do mundo business, planejaram, articularam, calcularam os riscos e projetaram lucros que seriam posteriormente revertidos para o mundo artístico. Jovens mecenas.
Depois do porre, no dia seguinte, perceberam que não dispunham de capital para a execução da obra. Movidos pelo furor revolucionário, rechaçavam pronunciar a palavra capital.
Procuraram na noite paulistana, alucinados, -- feitos amantes solitários que procuram parceiras em anúncios de jornais -- um entusiasta da causa.
Itamar, aspirante a dramaturgo, poeta nas horas vagas, notívago, filho de um casal de industriais, foi lançado pela flecha de Mecenas, discípulo de Augusto. Aderiu à causa, ou melhor, comprou literalmente a causa.
Soube, por intermédio de Fred Cabeleira, que havia um salão disponível na Rua Abolição, número duzentos e quarenta e quatro. Atendia aos propósitos do grupo. Conversou com o proprietário e negociou a compra do imóvel.
Sugeriram um financiamento estatal para a aquisição. Itamar refutou. Dispunha de uma reserva pessoal. Comprou à vista.
Os mentores, juntamente com Itamar, o mecenas, ajudariam na organização do bar. Fizeram um organograma em guardanapos baratos do botequim. Héctor, o argentino do grupo, tentou dissuadir a ideia infrutífera de representar as ações no guardanapo. Argumentou que o guardanapo, além da função original de limpar a boca, tinha um papel lírico de embalar cigarros de maconha. Os fumantes eram uma parcela significativa dos potenciais frequentadores da taberna. Foi voto vencido, depois de sugerir papel de pão.


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