Capítulo Três
Epifania Áurea
"— É ali. — Nas faces visíveis do cubo
estava escrito: Weinclub. Ao fim da passagem lateral, por onde entramos, demos
com a porta fechada. Batemos em vão, e já íamos embora, desapontados, quando
notei no corredor uma escada circular para o porão, cavada na pedra. No
primeiro patamar, ouvimos música. Tomei um ar superior de vidente e desci o
segundo lance. Empurrada a grossa porta de carvalho (o carvalho é mera
suposição), recebi uma salutar lufada de música, de tabaco, de gente, de aromas
etílicos. Foi como se eu reconquistasse o paraíso. O Weinclub dançava e bebia
animadamente, repleto de jovens universitários e lindas universitárias de
bochechas coradas e riso amorável. Não havia uma única mesa vaga, mas três
segundos depois eu estava a beber um magnífico branco do Reno, e a explicar
para os estudantes, que nos acolheram com simpatia, o princípio universal que
rege a vida noturna. E eles, os mais talentosos matemáticos do mundo, futuros
inventores de balísticos e outros inteligentíssimos engenhos mortíferos,
acataram o meu pacífico princípio como um axioma luminoso. Foi um dos bares
mais consoladores de minha temporada sobre a Terra".
Por
que bebemos tanto assim?
Paulo
Mendes Campos
Epifania Áurea
Esquina da Ipiranga com a Consolação. Ali era o endereço do Bar Redondo,
antigo reduto de artistas e intelectuais de esquerda. Inverno paulistano. Numa
noite fria de julho, embalados por uma sinfonia etílica, um grupo de amigos
resolveu montar uma dissidência do Redondo.
Como exímios gestores do mundo
business, planejaram, articularam, calcularam os riscos e projetaram lucros que
seriam posteriormente revertidos para o mundo artístico. Jovens mecenas.
Depois do porre, no dia seguinte,
perceberam que não dispunham de capital para a execução da obra. Movidos pelo
furor revolucionário, rechaçavam pronunciar a palavra capital.
Procuraram na noite paulistana, alucinados,
-- feitos amantes solitários que procuram parceiras em anúncios de jornais --
um entusiasta da causa.
Itamar, aspirante a dramaturgo,
poeta nas horas vagas, notívago, filho de um casal de industriais, foi lançado
pela flecha de Mecenas, discípulo de Augusto. Aderiu à causa, ou melhor,
comprou literalmente a causa.
Soube, por intermédio de Fred
Cabeleira, que havia um salão disponível na Rua Abolição, número duzentos e
quarenta e quatro. Atendia aos propósitos do grupo. Conversou com o
proprietário e negociou a compra do imóvel.
Sugeriram um financiamento estatal para a aquisição. Itamar refutou.
Dispunha de uma reserva pessoal. Comprou à vista.
Os mentores, juntamente com Itamar,
o mecenas, ajudariam na organização do bar. Fizeram um organograma em
guardanapos baratos do botequim. Héctor, o argentino do grupo, tentou dissuadir
a ideia infrutífera de representar as ações no guardanapo. Argumentou que o
guardanapo, além da função original de limpar a boca, tinha um papel lírico de
embalar cigarros de maconha. Os fumantes eram uma parcela significativa dos
potenciais frequentadores da taberna. Foi voto vencido, depois de sugerir papel
de pão.
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