Epifania 244: Parte 13


         Trabalharam arduamente na limpeza e reforma do espaço. Uma trupe de porra-louca transformou-se em notáveis mestres de obra, insignes eletricistas, em respeitáveis carpinteiros.
Barreiras foram desobstruídas pelo grupo, sem trepidarem, agindo como uma tribo de índios botocudos que não temem a chegada do homem branco.
A inauguração foi um sucesso de público. Rapazes com longas cabeleiras, moças com saias indianas, velhos poetas marginais, músicos neófitos. Um público heterogêneo, bebendo e dançando freneticamente.
O salão foi metamorfoseado. As paredes toscas ganharam vida com os adornos de vinis. Velhos vinis que voltavam com outra missão, a de resplandecer a superfície de alvenaria. Gibis e fanzines expostos.
Bancos de automóveis servindo de assento. Copos baratos de extrato de tomate. Penduricalhos de miçangas. Placas de trânsito desviadas das ruas e sinalizando a entrada dos banheiros. Cinzeiros de recipientes de manteiga.
O farfalhar constante. A melodia incessante modulada pela velha vitrola. Os copos fustigando no balcão de fórmica. Feixe de luzes, dos faróis dos carros, invadindo o ambiente. O cigarro que se consome. A bebida sorvida. O coito que se pronuncia.
O cardápio recebeu nomes inusitados. Os lanches e bebidas foram batizados com nomes de cantores e literatos.
Rum cubano, por exemplo, era Fidel Castro. Meia-cerveja, Nelson Ned. Carne louca, Raul Seixas. Vinho chileno, Pablo Neruda.
O malogro foi constatado na logística organizacional, necessária ao funcionamento, mínimo que seja, de um estabelecimento comercial.
Atendentes declamando poemas. O caixa bebendo no balcão. A cozinheira dançando e esquecendo da porção. Um legítimo exército de Brancaleone. Nesse frenesi, Velho Buk descobriu o bar, e nunca mais deixou de frequentá-lo.
O regozijo dos proprietários, porém, durou pouco tempo. Em menos de seis meses o grupo teve uma redução exacerbada. Como um cartaz da polícia, onde cada foragido, depois de recapturado, é riscado, o número de donos foi rareando.
Sempre havia uma pedra no meio do caminho que impedia o trabalho. Desculpas evasivas eram comercializadas por atacado.
Segunda, a ressaca homérica e o virado paulista. Terça, a aula de inglês. Quarta, a feijoada e o jogo decisivo de futebol. Quinta, o sarau literário. Sexta, a greve de ônibus. Sábado, a possibilidade iminente do flerte. Domingo, o almoço com a família.
No final do sexto mês o bar foi oferecido ao Velho Buk, que prontamente recusou a oferta.
Atuo somente no mercado consumidor, jamais no setor de produção – desabafou o Velho, irritado com a proposta.
Depois de Itamar e sua turma, o Epifania teve uma série de proprietários, até chegar em Osório, o dono atual.
Cada proprietário diferente investia num nicho específico de público, diversificando a abrangência do bar. Foi bar e restaurante. Bar e padaria. Bar e salão de jogos.
Osório, que não tinha nada a ver com a proposta inicial do bar, resolveu manter o nome, pois compartilhava a máxima futebolística, "em time que está ganhando não se mexe".
Fez algumas benfeitorias no local e conquistou a clientela com o seu jeito simpático e bonachão.
O Epifania passou por todas as transformações que o Centro de São Paulo sofreu. Da efervescência ao período de degradação. Resistiu às intempéries, aos trancos e barrancos.
Para Osório, Epifania Áurea, o nome, não tinha significado nenhum. Pelo contrário, tinha até um certo embaraço para soletrar o nome aos representantes comerciais. Quando perguntavam sobre o nome do bar, Osório esquivava-se. Atribuía o nome a um bando de hippies tresloucados.
Velho Buk acompanhou todas as mudanças do bar e foi agraciado como membro honorário. Imortalizaram a mesa que frequentava e, segundo reza a lenda, fazia parte do pacote.
Quando a taberna era posta à venda, mencionavam o nome do Velho e a respectiva distinção no tratamento com o emérito freguês.


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