Capítulo Quatro
A sobrevivência
"Sentado junto ao fogão, em atitude de
confiada e inocente expectativa enquanto o café não fervia, o Coronel como que
sentiu brotar de suas tripas cogumelos e lírios malignos. Era outubro. Eis uma
manhã difícil de vencer, esta, mesmo para um homem de sua fibra, sobrevivente
de tantas outras manhãs".
Ninguém
escreve ao Coronel
Gabriel
García Márquez
Velho Buk
Velho Buk acordou cedo e pensou nos trâmites burocráticos que teria que
resolver, oriundos do processo de separação de Isaura. Postergou ao máximo, mas
foi advertido pelo advogado das consequências penais decorrentes da sua ausência
nas audiências.
Não poderia mais transferir o
problema. Tinha consciência dos desdobramentos. Foi recalcitrante mais por
desleixo. Abdicou de bens, sem temeridades. Evitava encontrar Isaura.
Sabia que Isaura sofria pela
dissolução do casamento, por isso temia revê-la brevemente. A intenção do Velho
era resistir ao máximo, até cicatrizar as feridas do divórcio.
Fez um café e procurou pela casa o
maço de cigarros. Todo dia era exatamente esse o enredo. Nunca encontrava o
cigarro. Procurou por todos os cantos do apartamento. Foi encontrá-lo no cesto
de roupas sujas, no bolso da camisa azul. Foi até à sacada e ficou contemplando
os transeuntes na avenida.
Pessoas que se cruzavam no fluxo
contínuo da calçada. Como La Mettrie, via autômatos. E se sentia vivo. Pensou
novamente em Isaura. Dois mundos antagônicos. Um muro dividindo duas pessoas.
Lembrou do frigir dos ovos. Isaura
preparando com afeto o café da manhã. Velho Buk tomava o café e depois comia os
ovos a contragosto. No princípio, relutou. Argumentou que não tinha o hábito de
se alimentar de manhã. Tentativas frustradas. Isaura era renitente. Velho Buk com
o tempo tomou gosto.
O telefone tocou três vezes. Velho
Buk compenetrado nos seus devaneios, não se atentou. Na quarta tentativa o
telefone foi, enfim, atendido. Era o advogado de Isaura. Saudações cordiais
foram abolidas.
Você sofrerá as consequências. A
justiça será implacável – arguiu o advogado de Isaura, completamente irritado.
Por que você não compareceu? Quais
as suas reais intenções? Tem consciência da sua omissão?
Os pontos de interrogação
converteram-se em hastes pontiagudas, lançadas ao seu encontro. Buscou se desvencilhar.
Nada.
Um maço de cigarros foi pouco. Tomou
um banho frio para relaxar e desceu até a lanchonete mais próxima, em busca de
seu Hollywood.
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