Epifania 244: Parte 15


   Com medo que um maço fosse pouco, comprou um pacote. Subiu para o apartamento e ficou com o espectro do divórcio assustando o seu juízo.
   Não buscou respostas. O sentimento que o apoderou era inominável. No segundo maço de cigarros, resolveu ir até à Biblioteca Mário de Andrade. Lembrou que tinha agendado uma reunião com Albuquerque, seu corretor para todos os assuntos. Decidira vender o carro. Descartou o uso do automóvel futuramente. Não tinha mais compromissos formais, portanto, o carro não era mais necessário. Supérfluo.
   Desceu do edifício tão aluado que não ouviu os cumprimentos do zelador. Cruzou a Praça Dom José Gaspar e seguiu em direção à Biblioteca. Subiu os degraus e estava prestes a passar pela catraca, quando foi advertido por um funcionário.
    O senhor precisa se identificar.
    É verdade. Sou o Velho Buk. Agora posso, enfim, entrar?
  Meu senhor, você precisa apresentar o documento de identidade. São solicitações da direção para efeitos estatísticos – argumentou o funcionário do balcão de informações.
    Que merda é isso?
    Olha o respeito, só estou cumprindo a minha função – retrucou o rapaz.
   Nos campos de concentração nazistas disseram a mesma coisa – o Velho exprimiu, já de costas para a Biblioteca, retomando o caminho de volta para o apartamento.
   Ignorou novamente os acenos do zelador e subiu o elevador. Dessa vez percebeu a presença de Ernesto, só que não tinha estômago para conversas. Buscou reencontrar a paz no silêncio do lar.
   O desassossego no recôndito do estômago. Dores no estômago. Acendeu outro cigarro e procurou pela garrafa de uísque. Tomou o primeiro trago e o amargor da bebida corroeu o abdome. Correu ao banheiro e o vômito não saiu. Suava frio. Lavou o rosto na pia do banheiro.
   O Velho Buk estava intricado com o seu estado de espírito. Tomou outro banho e resolveu ir para o Epifania. Dessa vez utilizou a escadaria para descer. No hall de entrada foi abordado por Ernesto.
    Com licença, meu mestre. Fiz alguma coisa errada com o senhor?
   Desencana, Ernesto. Eu que não estou bem hoje. Acho que tem a ver com TPM. Vou para o Epifania elevar a alma. Até logo, meu amigo.
   Olhou o relógio e percebeu que até o momento não tinha comido nada. Eram cinco horas da tarde e muitas pessoas saíam do trabalho. O trânsito estava carregado. Cruzou a esquina sem observar o semáforo e quase foi atropelado por uma moto.
   O motociclista buzinou e atravessou a faixa, sinalizando obscenamente o dedo médio para o Velho. Uma senhora que estava no meio-fio solidarizou com Buk e comentou sobre a imprudência no trânsito. Velho Buk assentiu com a cabeça e saiu em seguida. Depois de passar pela senhora, murmurou consigo mesmo que o motoqueiro tinha razão. Balançava a cabeça referendando a atitude do motorista.
   Buscou outro caminho. Deu voltas pelo bairro para chegar ao bar. Parecia um assaltante buscando rotas de fuga. Observou fachadas de prédio, até então desconhecidas, ou, completamente ignoradas. Apreciou vitrais. Meditou sobre as vicissitudes da vida. Buscou contemporizar com donas de casa, que observavam os filhos brincando nas calçadas.
   Chegou ao Epifania ofegante. Pediu logo um duplo. Osório, surpreso com a palidez do Velho, atendeu com agilidade o pedido. Dos prantos ao transbordamento. Um êxtase arrebatador invadiu-lhe as narinas. Elaborou discursos sobre a transcendência do homem. Fez gracejos com os frequentadores e bebeu com o vigor de um remador. Bebeu como nunca. Bebeu como ébrios, num entardecer praiano.
   Velho Buk, você viu o bar que abriu na Praça Roosevelt?
   Não prezo bares assim.
   Que isso! Um bar bem transado. Vale a pena. Estive lá na semana passada.
   Não curto bares assépticos.
   Como assim? Bares o quê mesmo?
  Bares assépticos. Existe uma proliferação deles pela cidade. Em cada esquina tem um. Primam pela higiene. Eu digo que é a pasteurização dos bares. Basta ir a apenas um deles. Somente um deles e conhecerá todos, independentemente do lugar. É preciso o elixir dos bêbados. Nos bares assépticos tudo é comedido. Em pouco tempo até os decibéis das falas serão controlados. Os torresmos virão com etiquetas atestando a quantidade de colesterol e triglicérides. Por lá vigora a patrulha e o que eu procuro nos bares é exatamente o contrário – dissertou o pantagruélico Buk.

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