Epifania 244: Parte 17


       Saía de casa às seis da manhã com toda a sua parafernália. Tomava o desjejum no Bar do Português, ao lado da Passarela. Depois do café montava a barraca, bem ao lado de uma banca de jornais e revistas.
        Não precisou negociar o ponto. Tudo fora articulado por Candeia. Era mal visto pelos camelôs vizinhos. Sabiam do seu envolvimento com o mundo ilícito das drogas, por isso maldiziam-no nos arredores. Heitor preferia assim.
Não gostava de ampliar o círculo de amizades. Economizava nos estreitamentos sociais. Tinha ódio mortal dos cachorros, pois tinha hábitos felinos. Não era como os cães e gatos do cortiço, que coexistiam pacificamente. Características de um gato arisco. Ressabiado, agindo sorrateiramente no telhado de zinco.
     Fazia pouco alarde na barraca. Os vizinhos do comércio lembravam feirantes, buscando a tapa os fregueses. Heitor observava calado, imune aos gritos ensurdecedores. Imaginava os vizinhos como máquinas caça-níqueis. Daquelas dos bares do centro da cidade. Sempre à espera de uma moeda.
Heitor tinha pretensão de conquistar terreno e depois se desvincular de Candeia. Sabia que não teria chances de crescer no mundo do crime meramente como coadjuvante. No teatro da criminalidade, buscaria atuar como protagonista principal. O caminho seria árduo. Estava descobrindo São Paulo. Um neófito na selva de pedra.
Fala Heitor, meu parceiro!
Caminhando. Caminhando, Candeia.
Como está o movimento?
Razoável. Conhecendo os clientes ainda. Difícil anunciar, não é? Precisa me arrumar mais contatos, Candeia.
Heitor, sem pressa, meu caro. Não adiantar dar passos maiores que as pernas. Você precisa interagir mais. Daqui a pouco desconfiarão. Parece bicho do mato, não conversa com ninguém.
Fica tranquilo, Candeia. Não irei pisar na bola. Semana que vem te adianto o dinheiro da caução.
Já falei para relaxar, Heitor.
Que espelunca é aquela merda de casa, hein? – Heitor reclamou e porfiou – Casa o caralho, né? Aquilo é um cortiço, só não é pior que o pensionato, porque tenho o meu quarto individual.
Nossa, Heitor! Chegou ontem e já quer viajar na janelinha! De Bocaina para o Maksoud Plaza. É isso mesmo?
Não é isso, Candeia, mas se arrumar mais clientes, eu abandono aquele tapume.
Você é quem sabe. Só acho que é precipitação. Fica calmo! Quem tem pressa, come cru, meu caro.
Heitor tinha pressa. Esperava um interregno para assumir o controle. Estava açodado, porém as palavras de Candeia tiveram ressonância. Despediu-se e foi até a Padaria tomar um traçado. Na volta deparou-se com dois homens na barraca. Um mais velho, aparentando ter, aproximadamente, cinquenta anos, e outro mais jovem.
O mais velho com ar inquiridor, lembrando um comissário de polícia, recém-saído das páginas de um folhetim policial.
O mais jovem, boquiaberto, parecendo um secundarista, prestando atenção, compenetrado, nas palavras do mestre.
Pois não! – Heitor expressou, ventríloquo, com a voz semelhante a um fantoche.
Você é novo por aqui, não é, meu bom rapaz?
Sim. – Heitor respondeu, monossilábico.
Pois bem, meu jovem, o meu nome é Miranda e o meu amigo é o Xavier. Estamos aqui para lhe servir. O que precisar, pode contar conosco.
Obrigado.
Ao seu dispor, Heitor. Amanhã passamos para pegar a encomenda.

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