Epifania 244: Parte 2


Heitor

Entrou apressado na agência bancária e retirou o derradeiro provento do seu último emprego. Entrou como se não houvesse o amanhã. Heitor estava resoluto. Arriscaria a vida em São Paulo. Não tinha mais estômago para Bocaina.
Era um moribundo num sistema economicamente inviável. Aurora, sua mãe, tentou dissuadi-lo do intento. Sem êxito, obviamente.
Meu filho, o pessoal está voltando de São Paulo. Pensa bem. Você irá matar a sua mãe de desgosto e de saudades.
Não existe volta, mãe. Eu já tenho vinte e cinco anos e não aguento mais viver nessa merda de cidade. Isso de viver eternamente aqui é, sim, projeto de vocês. Não o meu. Não me inclua nesse arremedo de vida.
O silêncio estancou o ferimento causado pela palavra proferida. A dor cessava na ausência das sílabas e a intermitência da agrura fazia-a mais resignada. Era uma luta sem vencedores.
É tudo culpa da sociedade – reverberou Heitor – sem compreender exatamente o significado das palavras.
Jaú - São Paulo, vinte e duas horas. Janela ou corredor? Janela. Vinte e três ou vinte e sete? Vinte e três. Plataforma dois. Pela fenestra desvendaria a imensidão do novo mundo.
Heitor buscava com a sua decisão, varrer, definitivamente, o fatídico dia em que foi violentado sexualmente, num terreno baldio. Ele, nove anos de idade. O algoz, dezoito. 
Voltava do colégio, solitário, somente com a mochila nas costas e uma lancheira vermelha nas mãos. Foi espancado sem piedade e ainda ouviu ameaças do verdugo.
O agressor o agarrou fortemente pelos braços, depois do ato consumado, e sussurrou no seu ouvido:
Se alguém souber, eu te mato. Ouviu bem?
Depois daquele dia Heitor nunca mais foi o mesmo. E, jamais permitiu que se aproximassem das suas orelhas.

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