Eleonora
Ouviu com atenção, em frente ao Teatro Municipal, o artista mambembe.
Escutava estoicamente, como se o mundo fosse acabar, exatamente naquele dia. O
artista contava que quando nascia uma criança, em Esparta, pendurava-se uma
fita de lã na porta da casa, simbolizando o nascimento de uma menina. Havia
ritos e o reconhecimento da filha pelo pai.
Eleonora pensou no pai, que a
abandonou. Foi criada pela mãe e pelos irmãos mais velhos, morando
precariamente em cortiços no Centro da cidade.
Puta que pariu, que moral é essa,
imposta a nós, meu Deus? – berrava a mãe de Eleonora – depois de ingerir uma
garrafa de cachaça, aplacada pelo odor acre do cortiço, próximo da Estação
Júlio Prestes.
O amargor era o brinquedo preferido
de Eleonora na infância. Minto. Não era o favorito. A questão nunca dependeu de
escolhas. O destino jamais fora questão de alternativas. Escolhas. Não se
escolhe o destino, como se escolhe roupas para sair. Necessidade, desejo.
Necessidade, vontade. Não era apenas a estrofe de uma música.
Velho Buk
O quartel-general do Velho era o Epifania Áurea. Frequentava todos os
dias, sem exceção. A sua mesa fora imortalizada. Quando algum desavisado
sentava-se à ela, logo era advertido por Osório, ou por qualquer outro
frequentador.
Depois que divorciou de Isaura, a
rotina do Velho era essa. Trabalho, Epifania. Epifania, casa. Morava próximo.
Avenida São Luís. A situação era confortável. Nunca passou por adversidades. O
seu lar sempre foi o botequim. Foi eterno enquanto durou. Durou até demais: o
matrimônio.
Isaura foi alertada pelas amigas.
Pela família. Amigos do Velho. Vizinhança. Todos. A vida do Velho era um livro
de páginas abertas. O livro do Velho não constava no “Index Librorum
Prohibitorum”. Em qualquer botequim engordurado do Centro da cidade era
possível encontrar um exemplar. Público e notório.
O desfecho foi um martírio para
Isaura. Para o Velho, uma dádiva. O saldo final foi uma filha. A bela Beatriz.
Bia, assim chamada, carinhosamente, pelos pais e amigos.
Isaura ficou com o apartamento em
Pinheiros. Velho Buk, com o apartamento da São Luís. Amplo demais para as suas
pretensões. O seu cotidiano consistia em botequins e cabarés. Um “bon vivant”.
Em pleno arrebatamento da
dissolução, Bia mudou-se para Gastão Vidigal, noroeste do Estado. Casou e foi
acompanhar o marido, engenheiro químico, na sua cruzada pelo interior. O
distanciamento era um alívio. Estava sentindo-se asfixiada. Atolada no lodaçal
dos murmúrios maternos.
Para o Velho Buk nada mudava. Pelo
contrário. Alicerçava um mundo mais promissor. Cosmopolita. Sem fronteiras ou
barreiras para a devassidão.
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