A pensão na Rua dos Gusmões era literalmente uma espelunca. Fétido era o
pensionato: mas os comensais também eram. O jantar era uma agonia. A acidez
tomava conta do seu estômago. A profusão do cheiro dos moradores penetrava no
âmago. Regurgitava e lembrava-se da mãe, na longínqua Bocaina.
Bando de animais – murmurava de um
jeito inaudível – pelo jeito nunca tiveram uma mãe.
Rememorou a presença materna,
resgatando a infância, quando iam até Jaú, que era a referência comercial mais
próxima. Nessas ocasiões almoçavam em restaurantes, e a mãe fazia questão que
ele comesse adequadamente com a boca fechada. Dizia que os atendentes eram
policiais, cujo propósito ali era atendê-los e prendê-los, se porventura
cometessem a infração, nas palavras dela, de comerem com a boca aberta.
No banheiro, a inscrição, “aqui o
filho chora e a mãe não vê”, evocava a mais remota reminiscência materna.
Voltar para Bocaina era fora de
cogitação. Enfrentou heroicamente os desígnios impostos pela selva de pedra. Trabalho
contumaz.
Empunhava a enxada com a fúria dos titãs e engolia a seco as humilhações
na construção.
Só a aguardente aliviava o estômago
no crepúsculo cinzento de São Paulo. De volta ao pensionato, esfregava o pau no
banheiro, como se esfregasse a lâmpada maravilhosa de Aladim. A fricção dava a
sensação paliativa de poder escolher o norte.
Um dia, golpeou o companheiro de
quarto com três canivetadas. “Caipira é a mãe, filho da puta”. Irineu arfava no
leito. Foi internado na Santa Casa em estado grave.
Nada mais foi como antes. “No
princípio era o verbo. Hoje não. A partir de hoje é a valentia. Heitor, ao seu
dispor”. Sim, agora conheciam o verdadeiro Heitor.
Nas cartas endereçadas à mãe, só se
gabava. Escondia as verdades. No cerne, o furor da falácia era virulento.
Expelia pela latrina as angústias.
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