Epifania 244: Parte 19


Eleonora

Os dias estavam cada vez mais angustiantes para Eleonora. O álcool tinha dominado a mãe. Possivelmente seriam despejados do cortiço. Cada irmão tomou um rumo diferente. Buscava o seu norte. Sete irmãos. Antônio. Fabiano. Elizete. Jurema. Odete. Lucinda. Aracy.
Antônio casou-se e mudou para o Grajaú, zona sul da cidade. Fazia bicos como eletricista.
Fabiano tomou o rumo da zona leste. Foi morar com Neusa em Itaquera.
Elizete, grávida de seis meses, de um homem casado, amasiou com Sebastião, que assumiria o filho como seu.
Jurema virou militante sem-teto, junto com o marido. Moravam numa ocupação na Florêncio de Abreu.
Odete continuava como diarista num apartamento em Pinheiros. Morava no próprio trabalho, alojada no quarto de empregada. Nos cultos aos domingos, no templo evangélico, agradecia a Deus pela oportunidade.
Lucinda era cozinheira de um boteco, em Santa Cecília. Alugou um quarto numa pensão próxima do Minhocão, onde poderia colocar fotos de celebridades nas paredes.
Aracy, cujo nome fora uma homenagem da mãe para a cantora Aracy de Almeida, morreu atropelada, numa tarde chuvosa, no cruzamento da Teodoro Sampaio com a Avenida Henrique Schaumann. Vendia balas no cruzamento, e quando pisou a faixa de pedestres um motorista, imprudente, com a sua Pick-up vermelha avançou o sinal vermelho e decretou o final trágico da sua vida. Vida escrita em cima dos manuscritos de sacrifícios e humilhações.
Eleonora pensava exaustivamente na mãe. Há dias não voltava para casa. Saiu nas imediações do cortiço para procurá-la, sem êxito. Na última vez em que a viu, a mãe estava com um grupo de moradores de rua em frente ao antigo prédio do DOPS.
No dia seguinte, ao chegar ao edifício onde trabalhava, Jair a abordou. Queria saber a motivação que a fez procurá-lo no bar. Eleonora não sabia o que responder. A situação da mãe a abalava profundamente. Respondeu em evasivas e subiu rapidamente para o apartamento. O trabalho seria sua terapia. As longas olheiras denunciavam a noite mal dormida.
Ei, Eleonora, fica na farra até tarde e vem trabalhar nessas condições. Está cheio de gente querendo trabalho. Está mais que na hora de valorizar o seu.
Eleonora não teve tempo de conter o choro, muitas vezes reprimido, e que naquele momento irrompeu, sem cerimônia.

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