Epifania 244: Parte 20


O dia foi angustiante. À tarde, depois de sair do trabalho, procurou Jurema, sua irmã. Explicou a situação de penúria. Sem os irmãos e atordoada com o sumiço da mãe, não sabia o que fazer. Teve uma crise convulsiva. Aos prantos clamava por ajuda.
Jurema ofereceu abrigo. Sugeriu que Eleonora entrasse no movimento sem-teto. Somos expropriados pela classe burguesa, minha irmã. Vem para cá e junte-se à nossa causa, que também é a sua. Jurema gritava. Parecia que estava discursando numa assembléia.
Junte-se à nossa causa. Junte-se à nossa causa. Junte-se à nossa causa. O bordão encontrou ressonância. Que causa? Queria encontrar a mãe. Levá-la para casa. Dar um banho. Lavar a suas costas com o escovão, como fazia quando era criança. Colocar o cobertor sobre ela. Fazer um chá para esquentar e falar da causa da irmã, que também era dela e também poderia ser da mãe.
Voltou para o cortiço e encontrou os seus pertences jogados para fora. Na porta, um bilhete fixado em letras de forma.
Chega! Três meses sem pagar aluguel. Faça companhia para sua mãe!
O mundo desabou em suas costas. Outra crise de choro. Agora era um choro sem lágrimas. Uma dor interna. Um golpe visceral.
Procurou Jurema novamente. Ficaria por lá até arrumar outro canto. Amaldiçoou a classe burguesa, que nem sabia exatamente o que era. Evidentemente, seria culpa deles. Os burgueses. A irmã falou com tanta propriedade, que não deixava dúvidas.
No dia seguinte despediu-se da irmã e foi para o trabalho. Caminhou exasperada pelo Centro. Nenhum indício da mãe. Chegou ao edifício e novamente ignorou Jair.
Hoje não, Jair. Por favor. Outra hora nós conversamos.
Subiu rapidamente. Dona Úrsula ainda estava em casa. Eleonora dessa vez não mudou de roupa. Recolheu o uniforme de trabalho e dirigiu-se à Dona Úrsula.
Chega! Para mim basta!
Dona Úrsula tentou esboçar uma reação. Balbuciar algumas palavras. Eleonora, irredutível. Fizeram um acerto verbal. Não tinha carteira assinada. Nenhum direito. Eleonora não questionou, não era a primeira vez que isso acontecia. Sabia também que não seria a última.
Acreditava em vidas passadas. Algum tipo de carma. Defenestrada por espíritos medievais. Almas obtusas.
Imaginou uma catarse e saiu leve do apartamento, igual ao título de um livro, que Seu Hernandes tinha na estante da sua biblioteca, "A insustentável leveza do ser".

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