Heitor
Heitor começou a falar, aos poucos, com os ambulantes vizinhos. Acatou a
sugestão de Candeia, pois era fundamental manter uma política da boa
vizinhança. Com o tempo as vendas aumentaram e Heitor pode mobiliar a casa.
Lamentava o fato da institucionalização da propina, no entanto, vivia à
margem da lei. Não era um mocinho lutando contra caubóis sanguinolentos num
faroeste americano. Conhecia as regras do jogo. Lembrava da frase de Candeia: o
crime é sujo, e não admite falhas. Não ia falhar agora.
Se tudo corresse bem, em breve
visitaria a mãe. Trocavam correspondências. A cada quinze dias ligava na casa
de uma vizinha. Abominava favores. Tinha que avisar antes para a vizinha. Ela
desligava o telefone e ia chamar sua mãe. Depois de um tempo ligava novamente.
Complicado, ele suspirava.
Pensava numa eventual viagem, quando
Candeia chegou inesperadamente na banca.
Heitor, estou com um carro parado.
Fiz um negócio e me voltaram o carro no acerto. Não posso manter dois carros.
Sim. E daí?
Quer ficar com ele por um tempo? Só precisa dar uma geral nele – propôs
Candeia.
Onde está?
Eu trago amanhã aqui na banca e você
leva pra arrumar. Tem uma oficina logo ali na São Caetano. O mecânico é bom de
serviço.
No dia seguinte, logo de manhã,
Candeia apareceu com o carro. A documentação estava regularizada. Poderia tranquilamente
circular pela cidade e explorar novos horizontes.
Trabalhou contando as horas. Às
quinze horas, bem mais cedo que o habitual, Heitor desarmou a barraca.
Arrumou os produtos no porta-malas e foi para casa. Tomou um banho
apressadamente e saiu à procura da oficina.
Quando fica pronto, irmão? –
inquiriu Heitor ao mecânico, que no momento limpava as mãos sujas de graxa, ao
lado de um poster da Roberta Close, em nu frontal.
Até amanhã. Pode vir buscar à tarde.
Beleza. O meu nome é Heitor do
Canivete. É só perguntar por mim na redondeza que todos me conhecem.
Está certo.
Amanhã eu volto.
Depois que Heitor cruzou a esquina,
um dos mecânicos desabafou:
Canivete! Ora bolas, faz-me rir. Só
me faltava essa. Depois que inventaram o berro, o que é um canivete?
É
cada um que aparece aqui. Se ainda fosse um carrão. Mas um ferro-velho desse...
Comentários
Postar um comentário