Metrô linha 743


O escritor Humberto Werneck aconselha aos cronistas aspirantes, que no caso de uma eventual falta de assunto para escrever uma crônica, basta ir até à padaria mais próxima de casa e ficar bisbilhotando a conversa alheia.

A famosa DR, discussão de relacionamento, entre casais. Impávidos transeuntes que se revoltam com o motorista que avança o sinal vermelho. O motoqueiro impaciente que chuta o retrovisor do carro que impede a passagem. A polêmica arbitragem do jogo na noite anterior. A queda da balança comercial. A peleja dos coxinhas com os petralhas. Enfim, tudo é passível de ser transformado em crônica.

Pois bem, caros amigos, eu iria além do que o mestre Werneck recomenda. Basta fazer um pequeno deslocamento de metrô.

Oh lugar que não carece de falta de imaginação! Aliás, a abundância de assuntos é fértil.

A fertilidade é deveras, caros PPP's! Afugenta até o esforçado agrônomo do INCRA que pesquisava a suposta improdutividade do solo do local.

Sem delonga, reles cronista! -- esbraveja impaciente o condutor do Metrô, com a sua voz roufenha.

Como naquela famosa frase de banheiro de universidade, "enquanto cê tá cagando, tem um japonês estudando".

Pois é, enquanto postergo a minha crônica chinfrim, os cronistas do mundo real publicam sem cessar e asseguram o leitinho das crianças.

"Próxima estação: Carandiru", intervém o condutor. E sem freios na língua, prossegue, "e para com essa enrolação da bixiga, cronista da peste".

Sim, sim, caro condutor. Simbora lá!

A crise hídrica assolando SP e eu, paradoxalmente, desperdiçando água em bicas, vertendo o preciosíssimo líquido por todos os poros.

Eu, um pobre cidadão, caro Raul, que não sento num banco do Metrô com a boca escancarada, cheio de dentes, esperando a morte chegar, fiquei de soslaio na conversa de dois homens que adentraram o vagão.

-- Porra meu, cê sumiu, hein mano?

-- Nem te conto, bitcho! Tive que fazê duas cirurgia, mano. Foda pra caraio!

-- Caraca! Achei que cê tava em cana.

-- Vira essa boca pra lá! Fiz uma cirurgia do "imbigo" e otra da fimose.

-- Eita porra! Lascou de vez! Nessa idade com fimose? Cê nunca descabelou o palhaço, fidumaégua?

-- Tá me tirando, mano?

Nisso, o rapaz das intervenções terapêuticas, despudorado, levanta a camiseta e mostra o orifício pós-cirurgia.

-- Mano, cê precisava ver o tamanho que era esse baguio. Mó grandão! Ficou da hora agora.

O amigo, um pouco constrangido, assentiu com um leve meneio da cabeça.

O muchacho do "imbigo" continua, sem pestanejos: "mais o mió foi da fimose. Cê não bota fé, mano!"

Por sorte dos passageiros, a voz de taquara rachada anunciou a próxima estação.

Numa diáspora metroviária, nunca dantes visto na história desse país, uma multidão abandonou o vagão alckimista.

Creio que nem o amigo, o estóico companheiro, resistiu à debandada do estandarte do sanatório geral.

"Desculpe minha pressa, fingindo atrasado/trabalho em escritório mas sou escritor/perdi minha pena nem sei qual foi o mês/Metrô linha 743".

Comentários

  1. E no próximo encontro, com o amigo, que vai acontecer? Continue seu blog, somente agora pude te entender e a sua escrita ficou mais próximo do nosso cotidiano metropolitano ou inferno urbano.

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