Epifania 244: Parte 23



Eleonora

Eleonora continuou obstinadamente a procura pela mãe. Uma questão de honra encontrá-la. A sua ausência era atordoante. Eleonora arrumara trabalho de diarista em vários apartamentos. Tinha um horário mais flexível e, além de tudo, esquivara-se das humilhações constantes impostas pelos antigos patrões.
Aos poucos a vida ia se acertando, como um relógio que desanda a parar, mas que gradativamente vai reconquistando o ritmo.
O que a inquietava era dividir o apartamento com a irmã e o cunhado. Foi recebida com pompas de chefe de Estado. Não passou, por hipótese alguma, necessidade. Contudo, a situação deixava-a constrangida. O espaço era exíguo. Encontraria a mãe e alugaria um lugar para elas. Refutou a ideia da irmã de lutar por uma moradia. Acreditava na causa da luta da irmã, mas carecia da verve de uma militante.
A causa não é minha, Eleonora. A causa é de todos nós – tentou argumentar Jurema. Parece que você foi cooptada pela burguesia. Como o Paulo Freire dizia, “é a voz do opressor na boca do oprimido” – insistiu a irmã.
Eleonora, incólume, ouvia. Não tinha aversão ao movimento, nem sabia quem era aquele Paulo. Entendia a legitimidade da causa, mas achava que aquelas ideias não a pertenciam. Subjugada pelo sistema, nas palavras da irmã militante.
Eleonora só queria rever a mãe e alugar um quarto. Só isso, nada além disso. Desconstruiu na cadência existencial o significado dos sonhos. Fustigada por uma realidade mutilante, desaprendeu a sonhar.
Com o tempo, foi ficando mal vista pelo movimento, pois não participava dos atos coletivos, das assembleias. A liderança, pressionada pelos moradores, exigiu a saída de Eleonora da ocupação.
Jurema previra o desfecho. Mais dias, menos dias, iriam contestar a omissão de Eleonora.
É uma alienada, diziam.
      Eleonora era sim, uma rosa, que não desabrochou. Uma rosa que nasce cercada por adversidades e demora a compreender a grandeza da sua existência.

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