Canção agalopada da saudade


À benção, Vó!

Parafraseando a Cynara Menezes, na sua belíssima crônica "O olhar da minha avó", ninguém, nem mesmo os ateus, "deviam se recusar a pedir a bênção. É como pedir licença aos mais velhos, pedir que eles abram os caminhos".

Ah, Vó, "eu não sabia que doía tanto" - e haja lirismo aqui, ad infinitum, como na cantilena do boêmio - "uma mesa num canto, uma casa e um jardim".

Há um ano nos reuníamos em volta daquela mesa comemorando os seus noventa anos.

O calendário gregoriano é meramente uma convenção, pois não exprime o que sentimos aqui. Um ano, na minha quixotesca divisão do tempo, parece mil anos.

Hoje os meus dedos estão fatigados de tanto digitar a tecla da saudade.

Que saudade da minha Úrsula!

Na minha adaptação imaginária dos "Cem anos de solidão", a minha Vó é a representação fidedigna da personagem Úrsula Iguarán.

Estoica, altiva, justa e rigorosa, feito a protagonista da onírica obra.

Sem contar, evidentemente, da influência da índole matriarcal de Úrsula, que serviu de apoio ao povoado de Macondo.

Macondo, para quem não sabe, tem uma filial em solo tupiniquim, também chamada de Gastão Vidigal.

Basta entrar na sua casa - a da minha Vó, eu digo - e o seu espectro me ronda. Até isso lembra a personagem. Feitio de imaginação.

É deveras impressionante a verossimilhança. 

Outra característica marcante da minha vó era a franqueza.

A sinceridade sempre foi elemento constituinte da sua prosódia sertaneja. O seu dicionário vernacular jamais permitiu o uso da palavra "dissimulado". E dá-lhe sinceridade.

Você sempre foi sincera, ô ô ô ô Aurora. "Veja só que bom que era".

Ai, Vó, e aquele cilindro de pães, logo na entrada da casa. Reminiscências da minha infância.

Uma peça mecânica, que além da função original, fornece uma profusão de aromas, cores e sabores da minha aurora e da minha Aurora.

"Sei que vou morrer não sei a hora/Levarei saudades da Aurora".

Um beijo do tamanho da minha saudade.

A família "aproveita pra também mandar lembranças/A todo o pessoal/Adeus!"

Comentários

  1. Que maravilha!! Suas palavras são sempre emocionantes. Parabéns! Aqui é a Ana ( vulgo irmã do Pudim rs ). Abraços!

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  2. Muito linda a homenagem em suas palavras. Lógico que todos irão lembrar das suas avós. Que delícia ter vó e vô.

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  3. Um texto emocionante.
    A valorização existencial dos nossos antepassados deve ser sempre exprimida.

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  4. Oi Gustavo que texto lindo minha mãe foi muito amorosa com os netos e deixou que eu ficasse no lugar dela.

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