A saideira do meu Tio: por uma ética e estética da subversão parental

 

Alvíssaras! 

Já que tudo voltou, desde a famigerada inflação à soturna apologia do autoritarismo, porquê não resgatar esse infecundo blog maltrapilho?

Teorias conspiratórias não faltam. Um séquito de lunáticos, idem.

Encho o meu copo de incertezas e faço um brinde ao fim do mundo, pelo menos no qual me formei.

Sem delongas, pobre cronista.

Sempre penso na emergência do Tiozão do Pavê, essa controversa figura tão encarnada no nosso Des-Presidente atual, e sua ascensão ao poder.

Façamos uma digressão etílico-metafísica de botequim e imaginemos a apoteose.

"Se todas as minorias têm lideranças, por que nós, legítimos representantes do reacionarismo tupiniquim não podemos ter o nosso líder?"

Eureka!

Depois, digamos, desse fatídico dia, todo Tiozão do Pavê se viu representado nas suas mais abjetas teorias.

O que antes, como bem observou Umberto Eco, se restringia às tabernas, agora virou pauta das redes sociais e dos almoços dominicais da tradicional família brasileira.

Pensando na mais lúgubre das criaturas, acima ressaltada, invoco e resgato os meus tios durante a minha fase de formação.

Anos 80 e 90, década passada, país saindo de uma longeva ditadura militar e assolado por uma brutal recessão.

Os meus pais eram trabalhadores enfrentando toda uma série de adversidades. Praticamente não tinham tempo de lazer. O ócio era artigo de luxo.

Pois bem, os momentos de libertação e autonomia, que pude vivenciar e desfrutar nesse período, foram oriundos de passeios ou algo similar com os meus tios.

Não que vivesse num ambiente hostil e autoritário. Nada disso. É que era sim um momento assaz de catarse juvenil.

Os arroubos da juventude nos impeliam contra a parede.

Damares ficará #horrizada, mas eu confesso, parcos e renitentes leitores, os passeios eram, essencialmente, aos botequins mais vagabundos.

Não é o objetivo da crônica, portanto, não irei aprofundar na questão do "politicamente correto". Mas eram outros tempos.

E era, usando uma gíria desse tempo, muito massa essas jornadas.

Se alguém ouve essa história hoje, logo alimenta dissertações embaladas pela narrativa da mamadeira de piroca, máscaras chinesas introjetando chips comunistas y otras cositas mas.

"Nossa, que absurdo! Então obrigavam vocês, indefesas criaturas, a beber nesse tempo?"

Ora bolas, negacionistas de plantão.

Necas de pitibiriba.

Fomos forjados num ambiente festivo e democrático, sem diferença de classes, credos e crenças.

O que existia era o curto verão da anarquia, ou, como no belo título do Sérgio Porto, éramos mais unidos aos domingos.

A nossa ludicidade era engendrada nos botequins e onde mais estivéssemos com os nossos tios numa esfuziante tarde de sol.

E fim de papo.

Sem julgamentos moralistas e piegas.

Feita a canção iconoclasta do Tom Zé, "Meta sua moral/Regras e regulamentos/Escritórios e gravatas/Sua sessão solene/Pegue, junte tudo/Passe vaselina/Enfie, soque, meta/No tanque de gasolina".

Por isso eu clamo: abaixo aos ditames do Tiozão do Pavê e que possamos resgatar e sublimar a ética e estética da subversão parental.

À saideira do meu Tio.

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