O conto "Alpínia, uma flor amazônica" está dividido em três capítulos, que serão publicados semanalmente.
Parte 1:
Se
me perguntassem qual sentido definiria melhor o estado do Pará, sem sombras de
dúvida, responderia o olfato. Aqui tudo é pautado, ou melhor, guiado pelo
cheiro. Os odores sopram com violência as minhas ventas.
Desembarco
em Santa Maria do Pará. Duas horas de distância de Belém. Exausto. Refuto
qualquer possibilidade de descanso. São apenas trinta dias de férias. Necessito
desbravar esse pedaço do Brasil varonil. Rio incessantemente. Brasil varonil!
Parece estrofe de hino. Quanta estupidez! Reflexo de quem não dormiu na viagem.
Blefe.
O
dia alvorece serenamente. Ouço o canto dos pássaros em mais um momento de
deslumbramento.
Cumpro
todo rito familiar e depois me desenlaço a procura dos segredos peculiares da
região. Todos na rua me fitam com um olhar de curiosidade. Lembro-me da frase
proferida pela minha prima de seis anos de idade. “Você parece estrangeiro”.
Pois é, pareço um estrangeiro no meu próprio país. Francamente, não sei
exatamente o que ela quis enunciar. Sei que as palavras dela, afinal agora, fazem
sentido.
Percorro
toda cidade. Descubro uma profusão de cheiros, sabores, fragrâncias. Quero
adentrar agora no âmbito das pessoas, navegar no âmago dos nativos.
Fico
extasiado pela fragrância, pelo aroma que exala de tudo; das frutas, das
comidas típicas, das pessoas. Humm...da mata, a floresta que persiste
heroicamente ao desmatamento voraz dos fazendeiros. Para ser sincero, até dos
fazendeiros emana um cheiro. Talvez um indício daquilo que é fétido. Podridão.
Peço
uma cerveja numa taberna e tento captar cada nuance da rua. O som, que propaga
num volume indesejável, entorpece os meus ouvidos. O caruru atenua a acidez do
estômago.
Aqui
sou apenas um forasteiro. É bom assim. Não sei como me concebem. Sou um livro
sem preâmbulo. Sem meio. Quiçá sem fim!
Inebriado
com a beleza da paraense cor de jambo. Ela desfila despretensiosa pela rua.
Saltitante. Nem sei se ela tem cor de jambo. Foram as palavras sussurradas pelo
feirante que ficaram registradas na minha memória. Ecoaram. Agora jorram, abruptamente,
feito água da fonte.
“Você
também aprecia”, provoca o companheiro da mesa ao lado. “Buliçosa, suculenta
como o caruru, meu patrão”. O cidadão, traquina, persiste em mais uma
invectiva.
Saio trôpego em direção à casa dos meus familiares. Perco-me nos caminhos tortuosos dos meus desejos. Labiríntico.
Saio trôpego em direção à casa dos meus familiares. Perco-me nos caminhos tortuosos dos meus desejos. Labiríntico.
“Rabo
de saia tem em cada esquina”, admoesta o meu tio. “Não vá mexer em vespeiro”. O
Ministério do bom-senso adverte. Insídia. Embuste paraense.
O
cenário político local em chamas. Retratos de uma guerra local. Briga de
caciques políticos. Cassações efêmeras.
Distancio-me
das contendas políticas. Melhor não me envolver. Vou tecendo os fios de
retalhos. Enigmáticos.
Aproximo-me
timidamente. Balbucio versos indecifráveis. Alpínia era o nome dela. Nome de
planta. Bela como a flor. Flor do paraíso amazônico. Vênus paraense.
Muito bom o texto, li rapidamente e fiquei curiosa em saber quem era a Alpínia! bj
ResponderExcluirGrande Gustavo, parabéns o conto parte I, ficou ótimo. Pelos relatos suas férias no norte foram melhores ainda hein! Teve papo, petisco, muita pinga e agora apareceu a Vênus paraense!
ResponderExcluirUm abraço
Leitura boa Gustavo! Vamos aguardar as outras partes.
ResponderExcluire ai rolou uma polinização ou não?
ResponderExcluirOi, Gustavo
ResponderExcluirQueria colocar um comentário no blog, mas ainda não aprendi a fazer isso. Que lindo!!!!!!!! Achei esse seu melhor escrito. Amei as palavras, o suspense, a história. Deslumbrada.
Fabiana Muricy de Melo
English Teacher
51 tons paraenses?
ResponderExcluirE aí, Gustavo, genial !!! Bacana essa crônica,bem descritiva de impressões e imagens.Desconhecia esse seu talento para a arte literária.Luiz Carlos
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